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sábado, outubro 31, 2009

Verde. Charles Fonseca. Poesia

VERDE
Charles Fonseca

Ah, verde mais quero ver-te
Verte o mel a abelha pura
Oh mistério, tua candura
Me enternece quero ter-te

Cada dia junto assim
Qual jasmim por onde eu for
Vais comigo peito em flor
Vens comigo e é só jardim

É minha vida verde vale
É montanha céu de anil
Vem a noite em beijos mil
Volta o sol se posto é tarde.

A CIDADE DA BAHIA. Gregório de Matos

A CIDADE DA BAHIA
Gregório de Matos

A cada canto um grande conselheiro.
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Sinto vergonha de mim. Ruy Barbosa

SINTO VERGONHA DE MIM Rui Barbosa Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte desse povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil enveredar pelo caminho da desonra. Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente, a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação com o "eu" feliz a qualquer custo, buscando a tal "felicidade" em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo. Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar meu verbo, a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido, a tantos "floreios" para justificar atos criminosos, a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre "contestar", voltar atrás e mudar o futuro. Tenho vergonha de mim pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer... Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço. Não tenho para onde ir pois amo este meu chão, vibro ao ouvir meu Hino e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade. Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro! De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem- se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, A rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.

segunda-feira, outubro 26, 2009

domingo, outubro 25, 2009

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO Vinicius de Moraes

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
Vinicius de Moraes

“E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.”
(Lucas, Cap. V, versículos 5-8)

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão —
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão.
Pois além do que sabia
— Exercer a profissão —
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
— “Convençam-no” do contrário — Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
— Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro de seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

— Loucura! — Gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
— Mentira! — disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Como o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

quarta-feira, outubro 21, 2009

POESIA REALIDADE. Djanira Silva.

POESIA  REALIDADE
Djanira Silva

Livros, sapatos, roupas espalhadas
Da porta da cozinha até o portão
Sobre as camas toalhas encharcadas
Marcas de pés molhados, pelo chão

Todas as salas são desarrumadas
A mãe impaciente ralha, em vão
Crianças correm rindo às gargalhadas
Sem darem ouvidos à reclamação

Passado o tempo a casa se esvazia
E a mãe sente saudade a cada dia
Daquela antiga desarrumação

Convive com a dor da realidade
Nas cadeiras vazias a saudade
Casa arrumada pela solidão.

terça-feira, outubro 20, 2009

Mercado Aracaju 20.10.2009


Mercado Aracaju 20.10.2009 003, upload feito originalmente por Charles Fonseca.
Mercado Aracaju 20.10.2009

domingo, outubro 18, 2009

Ao médico. Álvaro Albuquerque. Poesia.

AO MÉDICO
Álvaro Albuquerque

Por certo, nem te lembras (tão criança
eras naquele tempo...) e no entretanto
um homem, quanta vez, mudou o pranto
de teus pais em sorriso de bonança!

Por certo, nem te lembras (já te cansa
a memória, talvez...) um dia, entanto,
esse homem terá sido mais que um santo,
salvando o filho teu, tua esperança!

O bem que se recebe a gente esquece...
Somente a dor jamais é esquecida:
Aquele que a criou... desaparece!

Mas se este poema acaso te enternece
Ama teu médico através da vida.
Lembra-te dele, ao menos numa prece!


Resultado de imagem para foto estetoscópio

SONHOS ( II ). Charles Fonseca. Poesia

SONHOS ( II )
Charles Fonseca

Pátria formosa, meu doce lar
além palavras somente paixão
sem peias, laços, grilhões da razão,
imagens,
desejos,
gozos sem par!

Imagens estranhas de fonte vária
em mim sujeito a crivos impostos
são-me peneiras, por outros propostos,
sonhos,
regressos,
imagens,
mãe pátria!

O meu divã

Quem foi São Lucas?

SÃO LUCAS

Nasceu em Antioquia da Síria, médico de profissão foi convertido pelo apóstolo São Paulo, do qual ficou inseparável e fiel companheiro, colaborador no apostolado, de fato o apóstolo dos gentios em diversos lugares externa a alta consideração em que tinha São Lucas como portador de zelo e fidelidade no coração. Juntamente com São Paulo, Lucas fez várias viagens apostólicas, tornando-se um dos primeiros missionários do mundo greco - romano.

Tornou-se porém, excepcional para a vida da Igreja, por ter sido dócil ao Espírito Santo, que capacitou com o Carisma da inspiração e com uma vivência comunitária, que resultaram no Evangelho segundo Lucas e na primeira história da Igreja, conhecida como Atos dos Apóstolos.

No Evangelho, encontramos o Cristo que sendo amor universal se revela a todos, e chama Zaqueu, Maria Madalena, garante o Céu para o "bom" ladrão e conta as lindas parábolas do filho pródigo, ou do pai misericordioso, e do bom samaritano. Nos Atos dos apóstolos, que poderia também chamar Atos do Espírito Santo, a deparamo-nos com a ascensão do Cristo que promete o batismo no Espírito Santo, cumpre no dia de Pentecostes e inaugurando assim sua Igreja que evangeliza com coragem a todos os povos.

Uma tradição que recolheu no século XIV Nicéfono Calisto, inspirado numa frase de Teodoro, escritor do século VI diz-nos que São Lucas foi pintor e fala-nos de uma imagem de Nossa Senhora saída do pincel e coração daquele que mais relatou o singular papel de Maria na Encarnação, até Pentecostes.

O historiador São Jerônimo diz que Lucas viveu a missão até a idade de 84 anos, terminando sua vida com o martírio. Por isso, no hino das Laudes rezamos: "Cantamos hoje, Lucas, teu martírio, teu sangue derramado por Jesus, os dois livros que trazes nos teus braços e o teu halo de luz".
(autor desconhecido)/

QUEM É LOUCO, AFINAL? Rubem Alves

QUEM É LOUCO, AFINAL ?
Rubem Alves

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental.
Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista,
deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei.Tanto que
aceitei.
Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia.
Eu me explico.
Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, dentro do
meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas
cujos livros e obras são alimento para a minha alma.
Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles,
Maiakovski.
E logo me assustei.

Nietzsche ficou louco.
Fernando Pessoa era dado à bebida.
Van Gogh matou-se.
Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava
mais viver com tanta angústia.
Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica.
Maiakovski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os
vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.
Mas será que tinham saúde mental?

Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem,
previsíveis, sempre iguais, sem surpresas, obedientes ao comando do
dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida,
jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo
inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela,
bastar fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o
filme), ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca
pensou. Pensar é uma coisa muito perigosa...

Não, saúde mental elas não tinham.
Eram lúcidas demais para isso.
Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata.
Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde
mental.
Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes
psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa
empresa.
Por outro lado, nunca ouvi falar de político que tivesse estresse ou
depressão.
Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo
sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso
apresso-me aos devidos esclarecimentos.
Nós somos muito parecidos com computadores.
O funcionamento dos computadores, como todos sabem, requer a interação
de duas partes.
Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra
se denomina software, "equipamento macio".
O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho
é feito.
O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que
formam os programas e são gravados nos disquetes.
Nós também temos um hardware e um software..
O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que
compõe o sistema nervoso.
O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados
na memória.
Do mesmo jeito, como nos computadores, o que fica na memória são
símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", e o
programa mais importante é a linguagem.
Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos
no software.
Nós também.
Quando o nosso hardware fica louco faz-se necessário chamar psiquiatras
e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar
o que se estragou.
Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não
funcionam.
Não se conserta um programa com chave de fenda.
Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar
dentro dele.
Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos.
Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale
de recursos físicos para tal.
Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas,
palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.
Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma
peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é
sensível às coisas que seu software produz.

Pois não é isso que acontece conosco?
Ouvimos uma música e choramos.
Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado.
Imagine um aparelho de som.
Imagine que o toca-discos e os acessórios (o hardware) tenham a
capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover.
Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e
se arrebenta de emoção!

Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio:
a música que saía de seu software era tão bonita que seu hardware não
suportou.
Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de
oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca,
saúde mental até o fim dos seus dias.

Opte por um software modesto.

Evite as coisas belas e comoventes.

A beleza é perigosa para o hardware.

Cuidado com a música.

Brahms e Mahler são especialmente contra-indicados.

Já o rock pode ser tomado à vontade.

Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar.

Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento.

Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago?

Os jornais têm o mesmo efeito.

Devem ser lidos diariamente.

Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras
diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas
iguais.

E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.

Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal.

Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão
banal ela é.

E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se
aposentará para, só então, realizar os seus sonhos.

Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se
esquecido de como eles eram.

AVISO DA LUA QUE MENSTRUA. Elisa Lucinda. Poesia.

AVISO DA LUA QUE MENSTRUA
Elisa Lucinda

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.

Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia

Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...

Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.

Cuidado com cada letra que manda pra ela!

Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.

Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!

Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.

Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.

Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...

Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.

Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.

Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.

Ela é uma cobra de avental.

Não despreze a meditação doméstica.

É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofia
cozinhando, costurando
e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...

Você que não sabe onde está sua cueca?

Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.

E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.

São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?

O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.

Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.

Tá, não, homem.

Tá citando o princípio do mundo!

Ave Maria

quinta-feira, outubro 15, 2009

Cântico dos Cânticos, 5. Rei Salomão. Poesia..

Cântico dos Cânticos, 5
Rei Salomão.

Venha o meu amado ao seu jardim e saboreie os seus melhores frutos.

Já vou ao meu jardim, ó minha irmã e esposa, e aí colho minha mirra com meus aromas; aí sorvo o favo com o mel e bebo o vinho com meu leite.

Comei, amigos, bebei e inebriai-vos, meus caros!

Eu durmo, mas meu coração vigia. É a voz do meu amado a bater:

“Abre-me, ó minha irmã e amada, minha pomba, minha imaculada, pois minha cabeça está cheia de orvalho e meus cabelos, do sereno da noite”.

“Tirei minha túnica; vou vesti-la de novo? Lavei meus pés; vou tornar a sujá-los?”

Meu amado desliza a mão pela abertura e meu ventre na hora estremece.

Levanto-me para abrir ao amado: minhas mãos destilam a mirra e meus dedos, cheios de mirra escolhida, seguram a maçaneta da fechadura.

Então abri ao amado: mas ele se afastara e passara adiante. Minha alma se derreteu, porque partira; procurei-o e não o encontrei, chamei-o, e não me respondeu.

Encontraram-me os guardas que faziam a ronda da cidade: bateram em mim e me feriram, arrancaram-me o manto as sentinelas das muralhas.

Eu vos conjuro, mulheres de Jerusalém: se encontrardes meu amado, o que lhe direis? — “Que eu desfaleço de amor!”

Que tem o teu amado mais que os outros, ó mais bela das mulheres? Que tem o teu amado mais que os outros, para que assim nos conjures?

Meu amado é claro e corado, inconfundível entre milhares.

Sua cabeça é ouro puro e os anéis de seus cabelos, como cachos de palmeira, negros como o corvo.

Seus olhos são como pombas à beira dos riachos, lavadas em leite e repousando junto a torrentes borbulhantes.

Suas faces são como canteiros de aromas, como tufos de ungüentos; seus lábios, como lírios, destilando mirra escolhida.

Suas mãos são torneadas em ouro, cheias de jacintos; seu ventre é marfim lavrado, guarnecido de safiras.

Suas pernas são colunas de mármore sustentadas sobre bases de ouro; seu aspecto é como o do Líbano, alto como os cedros.

Seu paladar é só doçura e todo ele é desejável: tal é o meu amado e ele é quem me ama, ó mulheres de Jerusalém.

sábado, outubro 10, 2009

sexta-feira, outubro 09, 2009

Baralho. Charles Fonseca


BARALHO
Charles Fonseca

Uma rainha de copas
Falou pra dama de paus:
De espada tange o valete
Pra longe do ouro o hás
Pra ter canastra real
Aceita a minha proposta

O rei está decadente
Rainha sou orgulhosa.
Dama de paus leviana
Levou a cabo sestrosa
Encenação com insana
Miséria baniu o valente

Das cartas do seu baralho
Em seu lugar pôs curinga
Do morto cavou vicário
Manchou a canastra e ainda
Pôs longe valete que vário
Se rindo virou espantalho!

domingo, outubro 04, 2009

O amor acolhe



4 de outubro


4 de outubro
Charles Fonseca

Hoje é um dia especial
Do nosso amor sermos um
De ser nós dois de per si
Para o outro enquanto aqui
O dois que é o meio do uno
Que nos afasta do mal

Hoje teu aniversário
Também nosso eu pra ti
Té que a vida aja em nós
O decreto do partir
Esperar enquanto sós
Um pelo outro, calvário,

Que haja mais ano feliz
Mais de alegrias labuta
Mais de dar-se que presente
Receber colher a fruta
A flor jasmim sol nascente
O mar nosso céu de aniz.

sábado, outubro 03, 2009

SAUDAÇÃO A PALMARES. Castro Alves. Poesia.

SAUDAÇÃO A PALMARES
Castro Alves

Nos altos cerros erguido
Ninho dáguias atrevido,
Salve! - País do bandido!
Salve! - Pátria do jaguar!
Verde serra onde os palmares
- Como indianos cocares -
No azul dos colúmbios ares
Desfraldam-se em mole arfar! ...

Salve! Região dos valentes
Onde os ecos estridentes
Mandam aos plainos trementes
Os gritos do caçador!
E ao longe os latidos soam...
E as trompas da caça atroam...
E os corvos negros revoam
Sobre o campo abrasador! ...

Palmares! a ti meu grito!
A ti, barca de granito,
Que no soçobro infinito
Abriste a vela ao trovão.
E provocaste a rajada,
Solta a flâmula agitada
Aos uivos da marujada
Nas ondas da escravidão!

De bravos soberbo estádio,
Das liberdades paládio,
Pegaste o punho do gládio,
E olhaste rindo pra o val:
Descei de cada horizonte...
Senhores! Eis-me de fronte!
E riste... O riso de um monte!
E a ironia... de um chacal!...

Cantem Eunucos devassos
Dos reis os marmóreos paços;
E beijem os férreos laços,
Que não ousam sacudir ...
Eu canto a beleza tua,
Caçadora seminua!...
Em cuja perna flutua
Ruiva a pele de um tapir.

Crioula! o teu seio escuro
Nunca deste ao beijo impuro!
Luzidio, firme, duro,
Guardaste pra um nobre amor.
Negra Diana selvagem,
Que escutas sob a ramagem
As vozes - que traz a aragem
Do teu rijo caçador! ...

Salve, Amazona guerreira!
Que nas rochas da clareira,
- Aos urros da cachoeira -
Sabes bater e lutar...
Salve! - nos cerros erguido -
Ninho, onde em sono atrevido,
Dorme o condor... e o bandido!...
A liberdade... e o jaguar!

Filósofo em meditação. Rembrandt.


Filósofo em meditação. Rembrandt.

sexta-feira, outubro 02, 2009

quinta-feira, outubro 01, 2009

Laranjeiras. Sergipe.


Laranjeiras I, upload feito originalmente por Adilson Andrade.
Laranjeiras, SE.

NOTURNO. Onestaldo de Pennafort. Poesia.

NOTURNO
Onestaldo de Pennafort.

Lá vem ele a guiar o seu rebanho.
Cada pedra que encontra em seu caminho,
ele transforma em dócil cordeirinho.
E lá vai a guiar o seu rebanho...

Quando ele passa erguendo o alto cajado,
pastor sem gado chamam-lhe os pastores.
Mas crianças dizem que são flores
que ele vai a guiar com o seu cajado...