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quarta-feira, março 25, 2009

O juiz covarde. Ruy Barbosa. Prosa

O JUIZ COVARDE
Ruy Barbosa

De Anás a Herodes o julgamento de Cristo é o espelho de todas as deserções da justiça, corrompida pela facções, pelos demagogos e pelos governos. A sua fraqueza, a sua inocência, a sua perversão moral crucificaram o Salvador, e continuam a crucificá-lo, ainda hoje, nos impérios e nas repúblicas, de cada vez que um tribunal sofisma, tergiversa, recua, abdica. Foi como agitador do povo e subversor das instituições que se imolou Jesus. E, de cada vez que há precisão de sacrificar um amigo do direito, um advogado da verdade, um protetor dos indefesos, um apóstolo de idéias generosas, um confessor da lei, um educador do povo, é esse, a ordem pública, o pretexto, que renasce, para exculpar as transações dos juizes tíbios com os interesses do poder. Todos esses acreditam, como Pôncio, salvar-se, lavando as mãos do sangue, que vão derramar, do atentado, que vão cometer. Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde."
(A imprensa, Rio, 31 de março de 1899. In: Obras Seletas de Rui Barbosa, v. 8, Casa de Rui Barbosa, Rio, 1957, pp. 67-71)

quarta-feira, março 18, 2009

O corpo e seus símbolos. Jean-Yves Leloup

O CORPO E SEUS SÍMBOLOS
Jean-Yves Leloup

O perdão, quando bem compreendido, é um instrumento de cura. Freqüentemente ficamos doentes porque não perdoamos e o rancor e a cólera nos corroem o fígado e os rins. A questão é como manter juntos o perdão e a justiça, (...) o olho da verdade e o olho da misericórdia.
Creio que não devemos perdoar muito rápido. É necessário, antes de perdoarmos, que expressemos o sofrimento pelo que nos foi feito e a isso chamo justiça. O sinal-da-cruz, tal como era feito nos doze primeiros séculos de nossa era, expressava bem esse sentimento. Começava-se por uma linha vertical, da testa ao peito, em seguida levava-se a mão ao ombro direito e depois ao esquerdo (atualmente faz-se o contrário), simbolizando a passagem da justiça para a misericórdia. Começando sempre pela justiça, exigindo que fosse reconhecido o mal que foi feito, o inaceitável de certas situações e de certas violências. Portanto, o pedido de justiça é essencial. Mas é essencial, também, ir além da justiça, em direção à misericórdia, em direção ao perdão, em direção ao lado que é o lado do coração.
O que é o perdão? O perdão é não aprisionar o outro nas conseqüências negativas de seus atos. É não nos aprisionarmos ou aprisionarmos o outro no carma. O perdão é a própria condição para que nossa vida continue a ser vivível. Se não perdoarmos uns aos outros, a vida vai se tornar impossível de ser vivida.
(...) Como fazer para que este perdão se torne algo verdadeiro? Platão dizia: “Aquele que tudo compreende, tudo perdoa”. Aquele que se conhece a si mesmo, com suas ambigüidades, pode compreender o outro em suas sombras. Portanto, inicialmente, o perdão pode ser uma questão de inteligência, de compreensão. Perdoar você significa que eu o compreendo, mas não quer dizer que (...) o que você fez é bom. Compreendo que você é um ser humano, que é capaz de me enganar como eu próprio faria se, provavelmente, estivesse nas mesmas condições.
A atitude de Cristo aos que queriam lapidar a mulher adúltera é: “Aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra”. Lembrem-se como aos poucos todos se retiram, do mais velho ao mais jovem. Nesse caso Jesus se serve da Sagrada Escritura, não para mostrar aos outros como eles são pecadores, mas para fazê-la de espelho onde eles podem ver suas fraquezas, suas falhas e compreender as dos outros, não os aprisionando nas conseqüências negativas de seus atos.
Além de perdoar com a cabeça é preciso perdoar com o coração e, vocês sabem, o corpo é o último que perdoa. Se alguém lhes fez mal, se lhes causou sofrimento, vocês podem tê-lo perdoado com a “cabeça”, tê-lo compreendido com o coração, pensar que o passado passou. Entretanto, quando essa pessoa se aproxima, seu corpo se crispa e se enrijece mostrando bem que ele ainda não perdoou, que muitas memórias estão ainda bem guardadas.
Creio que é verdadeiramente uma graça quando nos encontramos perto de alguém que nos tenha feito mal e sentimos nosso corpo calmo, nosso coração límpido. Podemos dizer que, verdadeiramente, estamos curados. Por isso, creio que o perdão é uma prática de cura.
No Pai-nosso se diz: Perdoai-nos do mesmo modo como perdoamos. Como se o dom da vida só pudesse circular em nós dependendo de nossa capacidade de perdão. Se não perdoamos ficamos prisioneiros, bloqueados em uma situação, em um rancor, e a vida não pode circular.
Perdoar não é fácil...
Quando eu era jovem padre e morava no interior da França, todos os domingos levava uma senhora paralítica à missa. Ela era portadora de esclerose em placas. Um dia contou-me do ódio que nutria pela mãe porque a tinha impedido de casar-se com o homem que amava, e, apesar disso, passara a vida inteira cuidando da mãe, ocupando-se dela. Apesar de exteriormente comportar-se como uma mulher respeitável e admirável, dizia-me que em seu interior só havia raiva. A dureza de seu coração impregnara seu corpo, transformando-o em corpo rígido e paralisado. Assim, as doenças psicossomáticas têm, às vezes, uma origem espiritual.
Disse a esta senhora: “Já que você é cristã pode perdoar sua mãe”. Tornou-se encolerizada e, com uma raiva muito densa e muito íntima, respondeu-me: “Não, não, jamais a perdoarei. Minha mãe impediu-me de viver, o que sinto por ela é um veneno que levarei ao túmulo”. Neste momento compreendi o meu erro e lhe disse: “Você tem razão. O que você viveu é imperdoável. Você não pode perdoar quem a impediu de viver. Mas pense, creia, o Cristo que existe em você pode perdoá-la”. Atualmente eu lhe diria: “O ego não pode perdoar: Não se deve tentar perdoar com o ego. Entretanto, talvez o self possa perdoar. Talvez haja dentro de nós uma dimensão maior que nós mesmos, que pode compreender e perdoar”. Passaram-se cinco longos minutos. Em dado momento vi uma lágrima correr pela face daquela senhora. Ela chorou, chorou muito. Levantou-se da cadeira de rodas e saiu andando de seu quarto. Há mais de quarenta anos não chorava, há mais de dez anos não andava. Esse é o milagre do perdão.
Muitas vezes, está acima de nossas forças perdoarmos a partir de nosso pequeno ego. Se disséssemos “eu te perdoo”, seríamos hipócritas, pois nosso corpo e nosso coração não conseguem perdoar. Porém, podemos abrir-nos a uma dimensão mais vasta que nós mesmos e então o perdão pode chegar.
O perdão não é humano, é um ato divino. Quando Jesus perdoa, seja a mulher adúltera, seja Míriam de Magdala, seja um “colaborador” como Zaqueu, os fariseus que o cercam se perguntam: “Quem é este homem que perdoa? Pois só Deus pode perdoar”.
Assim, é preciso lembrar que, cada vez que perdoamos depois de termos pedido justiça, acordamos para uma dimensão divina de nós mesmos. O perdão é um exercício de divinização onde o humano se torna divino. Continuando humano, temos que reclamar justiça e, quando for possível, dizer o que foi mau ou destrutivo para nós e pedir uma reparação. Também somos capazes de misericórdia e de perdão. Portanto, é preciso que mantenhamos juntas a justiça e a misericórdia. São dois olhos, às vezes, estrábicos. Podemos esquecer a justiça e nosso perdão ser superficial, podemos esquecer o perdão e partimos para uma justiça inquisitorial.

http://www.jeanyvesleloup.com/br/texte.php?type_txt=0&ref_txt=72

domingo, março 15, 2009

Mãe da criação. Rodrigo Costa. Poesia

MÃE DA CRIAÇÃO
Rodrigo Sestrem Costa.


Fui eu quem trouxe à luz os dois infantes
que levaram por nome Tempo e Pressa.
Sou culpada, admito, ré confessa,
mãe de qualquer Depois e todo Antes.
Com a força de milhões de elefantes
eu carrego o planeta em minha mão.
Faço a bola girar igual pião
apoiada ponta do meu dedo.
Nessa hora, eu revelo o meu segredo:
mais que Pai, sou a Mãe da Criação.

A Saudade nasceu no mesmo dia
em que fiz brotar firme a Distância.
São melhores amigas desde a infância
são amantes do Acorde e da Poesia.
Quando criei a fôrma da Alegria,
na euforia, deixei ela no chão.
Aproveitando a tal situação
a Tristeza também se fez, sem medo.
Vou assim revelando o meu segredo:
mais que Pai, sou a Mãe da Criação.

A Verdade, eternamente menina,
goza a sua inocência de criança
basta pôr pés no chão, e ela já dança,
num sorriso que aprende e que ensina.
Nem percebe os olhares de rapina
que a Mentira lhe lança, sem perdão.
São o espinho e a flor de um só botão,
fruta doce que traz consigo o azedo.
Hoje lanço pro mundo o meu segredo:
mais que Pai, sou a Mãe da Criação.

Trago a história pintada nas retinas
cores leves e fortes misturadas.
O vermelho das rosas ofertadas
é o mesmo das vis carnificinas.
Belo verde das matas e campinas
também veste e disfarça o batalhão.
Fiz do Cosmos minha grande exposição
qual criança pintando algum lajedo.
Rabisquei pelo mundo o meu segredo:
mais que Pai, sou a Mãe da Criação.

O Amor é meu filho mais antigo
é ator de encarnar mil personagens.
Muda de figurino e cria imagens:
pai, amante, herói, irmão, amigo.
Ele é céu estrelado e é abrigo,
é guiado e se vai sem direção.
Vive, morre e renasce como o grão
que faz brotar do peito um arvoredo.
Só quem ama compreende o meu segredo:
mais que Pai, sou a Mãe da Criação.



http://www.rsestrem.blogspot.com/

quarta-feira, março 11, 2009

Diana, a caçadora. Pintura


Diana, a caçadora. Fontainebleau.
O estilo decorativo do maneirismo italiano deu origem, na França, à escola de Fontainebleau, cuja influência perdurou até o fim do Século 16.
A expressão escola de Fontainebleau refere-se a um vasto número de artistas, franceses e de outros países, que trabalharam na corte de Francisco 1º, na cidade francesa de Fontainebleau, perto de Paris, durante a segunda metade do Século 16.
Francisco 1º decidira fazer reformas em seu castelo medieval, utilizado como albergue de caça, e para isso, desde os primeiros anos da década de 1530, contratou os mais destacados pintores italianos.
Criou-se assim uma escola de pintura, que ficou conhecida na história da arte como escola de Fontainebleau.
http://www.pitoresco.com.br/art_data/fontainebleau/index.htm

terça-feira, março 10, 2009

quarta-feira, março 04, 2009

O que é um artista. Freud

"Um artista é, certamente, em princípio um introvertido, uma pessoa não muito distante da neurose. É uma pessoa oprimida por necessidades instintuais demasiado intensas. Deseja conquistar honras, poder, riqueza, fama e o amor das mulheres; mas faltam-lhe os meios de conquistar essas satisfações. Conseqüentemente, assim como qualquer outro homem insatisfeito, afasta-se da realidade e transfere todo o seu interesse, e também toda a sua libido, para as construções, plenas de desejos, de sua vida de fantasia, de onde o caminho pode levar à neurose. Sem dúvida, deve haver uma convergência de todos os tipos de coisas, para que tal não se torne o resultado completo de sua evolução; na verdade, sabe-se muito bem com quanta freqüência os artistas, em especial, sofrem de uma inibição parcial de sua eficiência devido à neurose. Sua constituição provavelmente conta com uma intensa capacidade de sublimação e com determinado grau de frouxidão nas repressões, o que é decisivo para um conflito. Um artista encontra, porém, o caminho de retorno à realidade da maneira expressa a seguir. A dizer a verdade, ele não é o único que leva uma vida de fantasia. O acesso à região eqüidistante da fantasia e da realidade é permitido pelo consentimento universal da humanidade, e todo aquele que sofre privação espera obter dela alívio e consolo. Entretanto, para aqueles que não são artistas, é muito limitada a produção de prazer que se deriva das fontes da fantasia. A crueldade de suas repressões força-os a se contentarem com esses estéreis devaneios aos quais é permitido o acesso à consciência. Um homem que é um verdadeiro artista, tem mais coisa à sua disposição. Em primeiro lugar, sabe como dar forma a seus devaneios de modo tal que estes perdem aquilo que neles é excessivamente pessoal e que afasta as demais pessoas, possibilitando que os outros compartilhem do prazer obtido nesses devaneios. Também sabe como abrandá-los de modo que não traiam sua origem em fontes proscritas. Ademais, possui o misterioso poder de moldar determinado material até que se torne imagem fiel de sua fantasia; e sabe, principalmente, pôr em conexão uma tão vasta produção de prazer com essa representação de sua fantasia inconsciente, que, pelo menos no momento considerado, as repressões são sobrepujadas e suspensas. Se o artista é capaz de realizar tudo isso, possibilita a outras pessoas, novamente, obter consolo e alívio a partir de suas próprias fontes de prazer em seu inconsciente, que para elas se tornaram inacessíveis; granjeia a gratidão e a admiração delas, e, dessa forma, através de sua fantasia conseguiu o que originalmente alcançara apenas em sua fantasia — honras, poder e o amor das mulheres." (Freud)

terça-feira, março 03, 2009

Fantasia flamenca. Fotografia


Fantasia flamenga. Clique na imagem.

domingo, março 01, 2009

GALINHA D’ANGOLA. Charles Fonseca. Poesia

GALINHA D’ANGOLA
Charles Fonseca

Galinha ‘tou fraca’
Tu andas saudosa
Das terras de Angola.
Tu cantas, ‘tou fraca’.

'Tou fraca' encantas
Da terra galinhos
Pois que um sem carinho
Bicou-te em espancas.

Fantasmas espantas
De galo soturno.
Bateu-te ao escuro,
Por isso, desandas.

Os outros afastas,
Ainda o amas!
Só ele te encanta.
Tu cantas, ‘tou fraca’.

Então tu ficaste
Sozinha com a prole.
É duro, não é mole.
Tu choras, tou fraca.

Até tua prole
O galo malvado
Tirou do teu lado,
Por isso tu choras.

‘Tou fraca’ tu cantas,
Tu queres carinho
De galo terninho.
Tu choras, ‘tou fraca’.

‘Tou fraca’, agora,
Irmãs te amparam.
Esquece esse galo,
Galinha de Angola!