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sábado, dezembro 27, 2008

O desejo não apreendido. Freud.

“A primeira dessas assertivas impopulares feita pela psicanálise declara que os processos mentais são, em si mesmos, inconscientes e que de toda a vida mental apenas determinados atos e partes isoladas são conscientes. Os senhores sabem que, pelo contrário, temos o hábito de identificar o que é psíquico do que é consciente. Consideramos a consciência, sem mais nem menos, como a característica que define o psíquico, e a psicologia como o estudo dos conteúdos da consciência. Na verdade, parece-nos tão natural os igualar dessa forma, que qualquer contestação à idéia nos atinge como evento absurdo. A psicanálise, porém, não pode evitar o surgimento dessa contradição; não pode aceitar a identidade do consciente com o mental. Ela define o que é mental, enquanto processos como o sentir, o pensar, o querer, e é obrigada a sustentar que existe o pensar inconsciente e o desejar não apreendido.” Freud.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

A falta de justiça. Ruy Barbosa. Prosa.

VERGONHA
"A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.

A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.

A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." Ruy Barbosa.

domingo, dezembro 14, 2008

REALIDADE. Djanira Silva. Poesia.

REALIDADE
Djanira Silva

Livros, sapatos, roupas espalhadas
Da porta da cozinha até o portão
Sobre as camas toalhas encharcadas
Marcas de pés molhados, pelo chão

Todas as salas são desarrumadas
A mãe impaciente ralha, em vão
Crianças correm rindo às gargalhadas
Sem darem ouvidos à reclamação

Passado o tempo a casa se esvazia
E a mãe sente saudade a cada dia
Daquela antiga desarrumação

Convive com a dor da realidade
Nas cadeiras vazias a saudade
Casa arrumada pela solidão.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

A ÁGUIA E A GALINHA. Leonardo Boff. Prosa.

A ÁGUIA E A GALINHA
Leonardo Boff

Era uma vez um camponês que foi a floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Coloco-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros. Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:
- Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.
- De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu criei como galinha.
Ela não é mas uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.
- Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar ás alturas. - Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia. Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse: - já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não a terra, então abra suas asas e voe! A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas. O camponês comentou:
- Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!
- Não – tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia.
E uma águia será sempre uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.
No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-lhe:
- Águia, já que você é uma águia, abra as suas asas e voe!
Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas.
O camponês sorriu e voltou à carga:
- Eu lhe havia dito, ela virou galinha!
- Não – respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma ultima vez. Amanhã a farei voar.
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas. O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:
- Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!
A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.
Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergue-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez mais para o alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do firmamento...

E Aggrey terminou conclamando:

- Irmãos e irmãs, meus compatriotas! Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus! Mas houve pessoas que nos fizeram pensar como galinhas. E muitos de nós ainda acham que somos efetivamente galinhas. Mas nós somos águias. Por isso, companheiros e companheiras, abramos as asas e voemos . Voemos como as águias. Jamais nos contentemos com os grãos que nos jogarem aos pés para ciscar.



( Co-autor: James Aggrey - Natural de GAMA, pequeno pais da África Ocidental.
Político que defendia a liberdade

terça-feira, dezembro 02, 2008

O ACARAJÉ DE CRISTO. Tasso Franco.

O ACARAJÉ DE CRISTO
Tasso Franco

O Dia das Baianas do Acarajé foi comemorado em Salvador na última semana de novembro com missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, samba-de-roda no Pelô e na Praça da Cruz Caída, chopinho e muito entusiasmo. Dois são os motivos principais: a baiana típica (não necessariamente só a vendedora do acarajé, mas também ela, e, sobretudo ela) é o símbolo da Bahia, e de certa forma do Brasil, por ser Salvador a cidade mãe; e o acarajé, a bola de fogo de Xangô, está relacionado com o ofício das baianas, patrimônio cultural do Brasil por acolhimento do Iphan.
As baianas convivem numa boa com os baianos do acarajé, homens que se dedicam ao tabuleiro, alguns dos quais, até se parecem com baianas, salvo porque não usam saias rodadas e batons. No mais, são as encarnações das próprias baianas e se dão bem no ofício e no uso do changrim (sandália de couro branco lavrado), trancelim (colar), torços e adereços, além de produzirem e mercarem bons produtos, entre eles, o acarajé, o abará e o bolinho de estudante.
Agora, se você quiser comprar uma briga com uma baiana autêntica diga que seu acarajé é do Senhor ou de Cristo, numa referência a evangélicas que estão colocando tabuleiros em vários pontos da cidade do Salvador, descaracte-rizando a figura típica da baiana e seus ornamentos e a essência, a tradição do acarajé. Trata-se de produto originário do candomblé, culto que embora ainda mantém suas relações com a Igreja Católica está tão distante dos crentes, como o diabo da cruz.
Acarajé é uma palavras composta da língua iorubá acará, akárà (bola de fogo) e je, jè (comer) e sua origem está explicada por um mito nas relações de Xangô (Sàngó) e suas esposas Iansã (Yásan), Oxum (Òsùn) e Obà. Conta-nos José Roberto Gaudenzi no livro “Orixá (Òrìsá) Uma História” que Iansã foi à casa de Ifá buscar um preparado para seu marido. Ifá entregou o encantamento e recomendou que dissesse a Xangô para comê-lo e ir falar ao povo.
Desconfiada, Iansã decidiu provar a porção, pois, se fosse veneno nada aconteceria ao seu amado. Esperou o efeito e nada aconteceu. Iansã então seguiu viagem e entregou a encomenda a Xangô com as observações de Ifá. Quando Xangô começou a falar de sua boca saíram labaredas de fogo e o povo passou a saudá-lo. Desesperara, Iansã acudiu o marido e começou a gritar Kawô Kabiesilé. Neste momento, as labaredas também saíram da boca de Iansã, quando o fogo, diante de força imbatível começou a saudá-los: Obà nlá Òyó até babá Inà (grande rei de Oyó, rei de pai do fogo).
O fogo é a grande arma de Xangô, o senhor da riqueza. É inimigo da mentira, o Orixá da Justiça. Daí para os ritos do candomblé quem vai nos contar com precisão e riqueza de detalhes é o professor Vivaldo da Costa Lima que está trabalhando um livro a ser editado pela Editora Corrupio, sobre a bola de fogo de Xangô e comida ritual para Iansã, o acarajé.
Recentemente, na série Ó Pai Ó, na TV, a diretora Monique Gardenberg, que tem mãe baiana e pai polonês, e nasceu na cidade da Bahia embora tenha sido criada em Santos, SP, produziu um dos capítulos com sinalizações da “guerra das baianas” autênticas x crentes, a evangélica retratada na dona da pensão onde a galera protagonista da série divide espaços, e a negra baiana que faz ponto no pé da Ladeira do Pelô, iniciando-se na curva do Taboão.
Na série, o diálogo é um retrato fiel da Bahia, como diria Riachão, do que acontece na vida real. A disputa de espaços, a ingerência de pessoas que não têm nada a ver com o culto do candomblé, as quais, por necessidade financeira e/ou incentivo do neopentecostalismo entraram na disputa pra valer. O acarajé é feito com feijão fradinho e, embora seja comercializado em locais profanos, ainda é considerado um alimento sagrado para o povo-de-santo e pela maioria das baianas.
Em Salvador, dados da Associação das Baianas do Acarajé, estima-se que existem entre 2.500 a 4.000 pontos de baianas do acarajé, entre os afiliados à Associação e os clandestinos ou mesmo tabuleiros de pessoas mais pobres que atuam nos bairros mais distantes do centro. Há, ainda, uma ilusão de que toda baiana de acarajé é rica. Nada, trata-se de uma minoria da minoria.
Mas, no geral, representam uma força de trabalho importante para a cidade e assume, na maioria dos casos, a família matrifocal, onde quem manda na casa é a mulher porque paga as contas, roda a baiana e a colher de pau.
E olhe que colher de pau de baiana parece uma “Fanta” de soldado da PM. Brinque com uma colherada dessas e a força de Xangô.


http://www.tribunadabahia.com.br/