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terça-feira, janeiro 29, 2008


Lady Godiva. Collier.

CANGAÇO. Charles Fonseca

CANGAÇO
Charles Fonseca

Passageiro tu que andas
Pelas ruas e vielas
Dize-me por entre velas
Se ela mandou lembrança

Daqueles tempos de outrora
Daquele riso tão largo
Montada em mim em cangaço
Eu seu cavalo na aurora

De sua vida chegada
De susto sem previsão
Sem mais nem menos então
Eu cavalo relinchava

Se a vires por aí
Tão cheia de objetos
De planos diz que abjeto
Estou sem ela a sorrir

Diz também que eu já cansado
De esperar pelo porvir
De ir a ela e ela ir
Se afastando pelo lado

Que estou aqui qual dantes
À mercê da ilusão
De amar por alusão
A ela tal qual foi antes.

sábado, janeiro 26, 2008

sexta-feira, janeiro 25, 2008

O morno.

Passagem de Dante Alighieri pelo Purgatório, guiado por Virgílio, na esplêndida e insuperável Divina Comédia, obra escrita há 700 anos.
“Logo que entrei ouvi gritos terríveis, suspiros e prantos que ecoavam pela escuridão sem estrelas. Os lamentos eram tão intensos que não me contive e chorei. Gritos de mágoa, brigas, queixas iradas em diversas línguas formavam um tumulto que tinha o som de uma ventania. Eu, com a cabeça já tomada de horror, perguntei:
- Mestre, quem são essas pessoas que sofrem tanto?
- Este é o destino daquelas almas que não procuraram fazer o bem divino, mas também não buscaram fazer o mal. - me respondeu o mestre. - Se misturam com aquele coro de anjos que não foram nem fiéis nem infiéis ao seu Deus.
Tanto o céu quanto o inferno os rejeita”.

terça-feira, janeiro 22, 2008


O ferrolho. Fragonard.
PERFUME EXÓTICO
Charles Baudelaire

De olhos fechados, quando, alta noite, no outono,
Respiro o cheiro bom dos teus seios fogosos,
Vejo entreabrir-se além cenários deleitosos
Cintilando ao ardor de um sol morno de sono:

Uma ilha preguiçosa e molenga e sem dono
Em que há árvores ideais e frutos saborosos;
Homens de corpos nus, finos e vigorosos,
Mulheres cujo olhar tem franqueza e abandono.

Guiado por teu perfume às paragens mais belas
Vejo um porto a arquejar de mastros e de velas
Ainda tontos talvez da vaga alta que ondula,

Enquanto um verde aroma dos tamarindeiros,
Que passeia pelo ar e que aspiro com gula,
Se mistura em minha alma à voz dos marinheiros.

sábado, janeiro 19, 2008


Arlequim. Cezanni.
OS VERSOS QUE TE DOU
J. G. de Araujo Jorge

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de faze-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura
são versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escuta-los sem ninguém
que possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revive-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...vezes,

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.

terça-feira, janeiro 15, 2008


O convescote. Manet.

Limitações da psicanálise. Freud

“A terapia psicanalítica não é, no momento, aplicável a todos os casos. Tem, a meu ver, as seguintes limitações. Requer certo grau de maturidade e compreensão dos pacientes, e portanto não é adequada para os jovens ou adultos com debilidade mental ou sem instrução. Fracassa também com as pessoas muito idosas porque, devido ao acúmulo de material nelas, o tratamento tomaria tanto tempo que, ao terminar, elas teriam chegado a um período da vida em que não se dá valor à saúde nervosa. Finalmente, o tratamento só é possível quando o paciente tem um estado psíquico normal a partir do qual o material patológico pode ser controlado.” Freud.

sábado, janeiro 12, 2008

NAS TUAS MÃOS. Charles Fonseca. Poesia

NAS TUAS MÃOS
Charles Fonseca

Do presente que faço eu
Que é teu um todo ausente
Que em mim um todo carente
Dormita em braço morfeu?

Que faço eu do passado
Tão presente na memória
Como contar esta história
Ao imigo acoitado?

Que faço eu do futuro
Tão vivo no meu passado
Confesso, estou cansado,
Teu desamor esconjuro.

Abaporu. Tarsila do Amaral.

domingo, janeiro 06, 2008


A primavera. Sandro Botticelli.

A um passante. Charles Baudelaire. Poesia

A UM PASSANTE
Charles Baudelaire

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

sexta-feira, janeiro 04, 2008


A primeira bailarina. Degas.

O SORRISO DE SILVANA. Charles Fonseca. Poesia.

O SORRISO DE SILVANA
Charles Fonseca

É seu sorriso brejeiro
Como de alegre regato
Que ri beirando o mato
Mansinho à cachoeira.

É como esta aos saltos
Cheio é de gargarejos
De brilho ao sol primeiro
Da manhã cheia de pássaros

Que chilreiam tico-tico
É bonito como a garça
Por sobre a água que passa
No lago azul infinito.

Poderoso como o mar
É belo como o céu
É doce como o mel
Da rósea flor do amar.


terça-feira, janeiro 01, 2008


O interior do Panteão. Pannini.
RECEITA DE ANO NOVO
Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.