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segunda-feira, outubro 27, 2008

AMAR É MAR REVOLTO

AMAR É MAR REVOLTO
Charles Fonseca

Em mares nunca dantes navegados
Revoltos eles tão misteriosos
O navegante aporta em promontórios
Barco à busca lanterna de afogados

Levanta a vela à viração primeira
Ultima em seu peito a esperança
Aflora aos olhos lágrima que dança
Há sede em sua alma derradeira

De novo estufa velas mar revolto
Pobre viajor de ilusões vive
Só desejo o céu por diatribe
Encolhe velas, foge o ar, ´stá morto.





domingo, outubro 26, 2008

Em 2008 foi assim. Fotografia



SANTA MARIA DOS ANJOS
Augusto de Lima

Santa Maria dos Anjos
da capelinha florida,
onde floresce o perdão,
dobrando o sino, convida
os descontentes da vida
a vir chorar na oração.

Santa Maria dos Anjos,
fonte de graças mais puras,
foco do eterno esplendor,
oferece às criaturas,
conforto nas amarguras,
prêmios de glória na dor.

Santa Maria dos Anjos!
lá no recinto se ouvia,
um coro de anjos cantar...
Cantavam: “Santa Maria...”
enquanto Francisco via
aberto o céu sobre o altar.

Santa Maria dos Anjos
a capelinha plantara
em terra santa e feliz.
Foi nela que a loura seara
da cabeleira de Clara
colheu Francisco de Assis.

Santa Maria dos Anjos
fez do seu templo um abrigo,
do seu jardim um trigal;
trigal do divino trigo;
que afasta o eterno castigo
e leva à vida imortal.

Santa Maria dos Anjos,
Mãe de Deus, Nossa Senhora,
da Porciúncula alma e luz;
sê do poeta implora
dos pecadores, agora
e na hora da morte. Amém.

Gerrit Dou.
Paganini_Caprice_no_24

quinta-feira, outubro 23, 2008

DEIXA O OLHAR DO MUNDO
Olavo Bilac

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?
Basta de enganos!
Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais!
Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

Donatello.
“Maravilha”, Elis Regina.

terça-feira, outubro 21, 2008

sábado, outubro 18, 2008

CALMA E SILÊNCIO
Georg Trakl

Pastores enterraram o sol na floresta nua.
Um pescador puxou a lua
Do lago gelado em áspera rede.

No cristal azul
Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;
Ou curva a cabeça em sono purpúreo.

Mas sempre comove o vôo negro dos pássaros
Ao observador, santidade de flores azuis.
O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.

De novo a fronte anoitece em pedra lunar;
Um rapaz irradiante
Surge a irmã em outono e negra decomposição.

El Greco.
“O quereres”, Maria Bethania.

quarta-feira, outubro 15, 2008

RELIGIÃO: POLÍTICA
Ítalo Camargo

E se eu beber do pecado em teu cálice
Culpe-me por tua hipocrisia,
Não sucumbirei aos mandatos de cale-se
Seguirei como Deus de heresia.

Se um dia faminto, eu ter de seus manás,
Não te esqueças dos mil versos de afronta,
Pois aquele que tu alimentarás
Enreda-te se um poema ele apronta.

Tua falsidade me joga em sanha,
Fundastes a religião paliativa
Baseada em teus atos de barganha

E no Culto Santo da voz altiva.
Tua revolta é só demagogia,
Afinal, quem mantém a burguesia?

Le Douanier.
Pavarotti, Una furtiva lagrima, Donizetti.

terça-feira, outubro 07, 2008

REBROTOS. Charles Fonseca. Poesia.

REBROTOS
Charles Fonseca

Ah, dama de olhares vagos
Tu não viste o meu de choro
Meu sorriso sumidouro
De emoções veladas pagos

Erros de mim e de ti
Mentiras tão costumeiras
Agora flechas certeiras
Cupido setou-me a rir

Sorrio de novo alvores
Antes eu só desalentos
Morrem espinhos tormentos
Brotam em mim novos amores.


Derain. Pintura.



“Manhã de Carnaval”, Luís Bonfá e Antônio Maria.

“Manhã de Carnaval”, Luís Bonfá e Antônio Maria.

segunda-feira, outubro 06, 2008

AS SEM RAZÕES DO AMOR
Carlos Drumond de Andrade

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Visitação, Denis.
"O novo mundo", Sinfonia, Dvorak.

domingo, outubro 05, 2008

SEDUÇÃO
Adélia Prado

A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.

Delacroix.
Clique na imagem para ampliar.
“Estrada do Sol”, Gal Costa e Elis Regina.

sábado, outubro 04, 2008

O POETA-OPERÁRIO
Maiakóvski

Grita-se ao poeta:
'Queria te ver numa fábrica!
O quê? Versos? Pura bobagem.
Para trabalhar não tens coragem'.
Talvez
ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez
sem chaminés
seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca
é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
(...)

Degas.
Nureyev & Fonteyn Romeo&Juliet

sexta-feira, outubro 03, 2008

CANÇÃO DE VER
Manoel de Barros
1ª parte -


Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro -
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
Podia dar ao canto formato de sol.
E, se quisesse caber em uma abelha, era
só abrir a palavra abelha e entrar dentro
dela.
Como se fosse infância da língua.

Hooch.
“Preta Pretinha” , Novos Baianos.

quinta-feira, outubro 02, 2008

O HAVER
Vinicius de Moraes

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
essa intimidade perfeita com o silêncio.
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo.
Perdoai: eles não têm culpa de ter nascido.
Resta esse antigo respeito pela noite
esse falar baixo
essa mão que tateia antes de ter
esse medo de ferir tocando
essa forte mão de homem
cheia de mansidão para com tudo que existe.
Resta essa imobilidade
essa economia de gestos
essa inércia cada vez maior diante do infinito
essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons
esse sentimento da matéria em repouso
essa angústia da simultaneidade do tempo
essa lenta decomposição poética
em busca de uma só vida
de uma só morte
um só Vinícius.
Resta esse coração queimando
como um círio numa catedral em ruínas
essa tristeza diante do cotidiano
ou essa súbita alegria ao ouvir na madrugada
passos que se perdem sem memória.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
essa imensa piedade de si mesmo
essa imensa piedade de sua inútil poesia
de sua força inútil.
Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
de pequenos absurdos
essa tola capacidade de rir à toa
esse ridículo desejo de ser útil
e essa coragem de comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade,
essa vagueza de quem sabe que tudo já foi,
como será e virá a ser.
E ao mesmo tempo esse desejo de servir
essa contemporaneidade com o amanhã
dos que não tem ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar,
de transfigurar a realidade
dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é
e essa visão ampla dos acontecimentos
e essa impressionante e desnecessária presciência
e essa memória anterior de mundos inexistentes
e esse heroísmo estático
e essa pequenina luz indecifrável
a que às vezes os poetas tomam por esperança.
Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
na busca desesperada de alguma porta
quem sabe inexistente
e essa coragem indizível diante do grande medo
e ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer
dentro da treva.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
de refletir-se em olhares sem curiosidade, sem história.
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho,
essa vaidade de não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável.
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
e esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte
esse fascínio pelo momento a vir, quando, emocionada,
ela virá me abrir a porta como uma velha amante
sem saber que é a minha mais nova namorada.

A intervenção da sabina. J-L David.
"Carioca", dançam Fred Astaire e Ginger (1.933).

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quarta-feira, outubro 01, 2008

O SONHO DOS RATOS
Rubem Alves

Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade. Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade... Bem pertinho é modo de dizer. Na verdade, o queijo estava imensamente longe, porque entre ele e os ratos estava um gato... O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e... era uma vez um ratinho!! Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam, mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro... Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. "Quando se estabelecer a ditadura dos ratos", diziam os camundongos, "então todos serão felizes"... - O queijo é grande o bastante para todos, dizia um. - Socializaremos o queijo, dizia outro. Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam... Nos seus sonhos comiam o queijo. E, quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem; crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: “Ao queijo, já!"... Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era. O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu. Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem. Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram. Arreganharam os dentes. Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si. Alguns ameaçaram chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos: "Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono". Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando... Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido. O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra. Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora.

E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato.

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“Carmen” fantasia para flauta e piano, Bizet.

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