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terça-feira, setembro 30, 2008

SALMO 24
Rei Daví.
1. Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.
2. Porque ele a fundou sobre os mares, e a firmou sobre os rios.
3. Quem subirá ao monte do Senhor, ou quem estará no seu lugar santo ?
4. Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente.
5. Este receberá a bênção do Senhor e a justiça do Deus da sua salvação.
6. Esta é a geração daqueles que buscam, daqueles que buscam a tua face, ó Deus de Jacó.
7. Levantai, ó portas , as vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará no Rei da Glória.
8. Quem é este Rei da Glória? O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na guerra.
9. Levantai, ó portas, as vossas cabeças, levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória.
10. Quem é este Rei da Glória? O Senhor dos Exércitos; ele é o Rei da Glória.

A madona e a criança. Crivelli.
"Desafinado", João Gilberto e Tom Jobim.

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segunda-feira, setembro 29, 2008

Adão e Eva. Cranach. Pintura


Cranach.
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“Epitáfio”, Titãs.

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domingo, setembro 28, 2008

MUSEON
João Ribeiro
(Fragmento)

Este vaso quem fez, por certo fê-lo
Folhas de acanto e parras imitando.
É de ver-se a asa fosca o setestrelo
De saboroso cacho alevantando.

Que desejo viria de sorvê-lo
Os gomos todos um a um sugando,
Quando, contam, dos pássaros o bando
Do céu descia prestes a bebê-lo.

Examina este vaso. N'um momento
Crê-se vê-lo a voar, o movimento
D'asa soltando, como aéreo ninho ...

Será verdade que este vaso voa
Ou porventura à mente me atordoa
Seu capitoso odor de antigo vinho?
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Courbet.
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“Tarde em Itapuã”, Vinicius de Moraes e Toquinho.

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sábado, setembro 27, 2008

POEMA EM LINHA RETA
Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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Martin Luther King, Jr.'s last speech

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sexta-feira, setembro 26, 2008

AVE MARIA. Charles Fonseca. Poesia.

AVE MARIA
Charles Fonseca

Encolheste o amor primeiro
Por último tão sumido
Distante qual um vagido
Esgarçou-se por dinheiro

O teu sorriso brejeiro
Que breve de mim se foi
Dói-me na alma que oi
Geme por ti derradeiro

Ai se tu soubesses quanto
Perdemos a dois por três
A vida por entre prantos

Tu de novo voltarias
Mais no quarto que só terço
Rezar mais ave-marias.






Corot.
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“Sabor a mi”, Trio los Panchos.

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quinta-feira, setembro 25, 2008

ADEUS, MEUS SONHOS!
Álvares de Azevedo

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

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Constable.
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"Nunca Mais" Dorival Caymmi.

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quarta-feira, setembro 24, 2008

A QUADRILHA
Carlos D. de Andrade

João amava Tereza que amava Raimundo
Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Tereza para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia
Joaquim suicidou-se
E Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que até então não tinha entrado na história.
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Clouet.
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“Inacabada”, Schubert.Artur Rubinstein.

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terça-feira, setembro 23, 2008

0.L.
Emilio de Menezes

De carne mole e pele bambalhona,
ante a própria figura se extasia.
Como oliveira - ele não dá azeitona,
sendo lima - parece melancia.

Atravancando a porta que ambiciona,
não deixa entrar, nem entra. É uma mania!
Dão-lhe, por isso, a alcunha brincalhona
de pára-vento da diplomacia.

Não existe exemplar, na atualidade,
de corpo tal e de ambição tamanha,
nem para intriga igual habilidade.

Eis, em resumo, essa figura estranha:
tem mil léguas quadradas de vaidade
por milímetro cúbico de banha.

Cimabue.
“Chega de Saudade”, Joao Gilberto e Antonio Carlos Jobim.

segunda-feira, setembro 22, 2008

VELHO TEMA II
Vicente de Carvalho

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do te beijo.

Cassat.
Ennio Morricone - Gabriel's Oboe from "The Mission"

domingo, setembro 21, 2008

COMO SE EU FOSSE UM CANTADOR
Aureo Mello
(XXXV)

O homem ou crê ou fica louco. A vida
É mistério, tão bárbaro e medonho,
Que o sujeito ou se pendura no sonho
Ou numa áspera corda bem comprida.

Que venha a fé, mesmo estando vestida
De estranhos balandraus ou que tristonho
Seja o rosto de Paulo, ou Possidônio,
Expressando uma lágrima contida.

Um momento há que faz rendermos loa
Àquilo que nos céus finge que voa
Ou ao da besta urrar no abismo fundo.

Tem de haver algo que não crer na morte
Nos faça e acreditar que um poder forte
Fará de amor o amálgama do mundo.

A expulsão do paraiso. Masaccio.
“Noturno” Op. 9 No. 2, Chopin.

sexta-feira, setembro 19, 2008

BACIA DAS ALMAS. Charles Fonseca. Poesia.

BACIA DAS ALMAS
Charles Fonseca

Há uma dor que me vai n’alma
Dia e noite noite e dia
Sobrenada na bacia
Das almas ela acoitada

Tenho a minha na espera
De outras que estão apenadas
Entre outras são coitadas
Carentes de amor quem dera,

Por elas minha vida se alongue
Sem elas esta se encurta
Oscila a vela se estufa
Ou murcha em cais se esconde.






Pontorno.
“Quero que vá tudo pra o inferno”, Roberto Carlos.
O HOMEM FELIZ
autor desconhecido

Certa vez um rei adoeceu gravemente e à medida que o tempo passava seu estado piorava. Os médicos tentaram de tudo, mas nada parecia funcionar. Estavam a ponto de perder a esperança quando a velha criada falou:
- Eu sei uma forma de salvar o rei. Se vocês puderem encontrar um homem feliz, tirar-lhe a camisa e vesti-la no rei, ele se recuperará.
Ao ouvir tal afirmativa, o rei enviou seus mensageiros a todos os cantos do reino a procura de um homem feliz.
Eles cavalgaram por todos os lugares e não encontraram um homem feliz. Ninguém estava satisfeito; todos tinham uma queixa a fazer.
"Aquele alfaiate estúpido fez as calças muito curtas! Ouviram um homem rico dizer."
"A comida está péssima, este cozinheiro não consegue fazer nada direito!" - Outro reclamava.
"O que há de errado com os nossos filhos? Resmungava um pai insatisfeito."
"O teto está vazando!"
"A situação financeira está péssima"
"Será que o Rei não pode dar um jeito nessa situação?"
Essas e outras tantas queixas eram o que os mensageiros do rei ouviram por onde passaram. Se um homem era rico, não tinha o bastante; se não era rico, era culpa de alguém.
Se era saudável, havia uma sogra indesejável em sua vida.
Se tinha uma boa sogra, a gripe o estava infelicitando.
Enfim, naquele reino todos tinham algo do que reclamar.
O rei já tinha perdido a esperança de ficar bom, quando numa noite, seu filho cavalgava pelos campos e, ao passar perto de uma cabana ouviu alguém dizer:
"Obrigado Senhor! Concluí meu trabalho diário e ajudei meu semelhante. Comi meu alimento, e agora posso deitar-me e dormir em paz. O que mais poderia desejar, Senhor?"
O príncipe exultou de felicidade por ter, finalmente, encontrado um homem feliz. Retornou e mandou que seus homens fossem até lá e levassem a camisa do homem ao rei e lhe pagassem o quanto pedisse.
Mas quando os mensageiros do rei entraram na cabana para despir a camisa do homem feliz, descobriram que ele era tão pobre que sequer possuía uma camisa.

Rosalba Carriera;
Suite 1, Bach.

quinta-feira, setembro 18, 2008

FORMOSA
Maciel Monteiro

Formosa, qual pincel em tela fina
debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
formosa, qual jamais desabrochara
na primavera a rosa purpurina;

formosa, qual se a própria mão divina
lhe alinhara o contorno e a forma rara;
formosa, qual jamais no céu brilhara
astro gentil, estrela peregrina;

formosa, qual se a natureza e a arte,
dando as mãos em seus dons, em seus lavores,
jamais soube imitar no todo ou parte;

mulher celeste, oh! anjo de primores,
quem pode ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode amar-te, sem morrer de amores?!

Carracci.
"Não me diga adeus", Elizeth Cardoso e Elza Soares.

quarta-feira, setembro 17, 2008

MORS - AMOR
Antero de Quental

Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

Carpaccio.

”Só louco”, Gal e Caymmi. Música

”Só louco”, Gal e Caymmi.

terça-feira, setembro 16, 2008

ANIMA. Charles Fonseca. Poesia.

ANIMA
Charles Fonseca

Tenho inquietudes secretas,
Certezas, também, não tão certas.
Tenho saudades do futuro,
Desejo de outros sabores
Dores, de antigos amores.




Ceia em Emaús. Caravaggio. Igreja. Cristianismo. Pintura



Dominguinhos, Sivuca, Oswaldinho e Luiz Gonzaga

segunda-feira, setembro 15, 2008

Meus oito anos. Casimiro de Abreu. Poesia

MEUS OITO ANOS
Casimiro de Abreu

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

.....................................................................................

Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Cupido dormindo. Battistello.

domingo, setembro 14, 2008

Passeio socrático. Frei Beto. Prosa

PASSEIO SOCRÁTICO
Frei Beto (durante palestra)

Ao visitar em agosto a admirável obra social de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças. 'Quem trouxe a fome foi a geladeira', disse.O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc. A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da população, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.É próprio do humano - e nisso também nos diferenciamos dos animais - manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade, e a cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido litúrgico.A ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia: sentar à mesa coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos com esmero e, sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais. Trata-se de um ritual que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela.Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos 'Manuscritos econômicos e filosóficos' (1844), ele constata que 'o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós'. O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da exclusão.Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas, tem alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho guardado na adega, uma jóia?Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife. Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A roupa pode ser a mais horrorosa possível, porém se traz a assinatura de um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em Cinderela...Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder. Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura, um espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade.
Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna também objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela, mas não é ela: bens, cifrões, cargos etc.Comércio deriva de 'com mercê', com troca. Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas pessoas. Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia, criavam vínculos entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o espaço das relações de vizinhança, como ainda ocorre na feira. Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de convívio é compensada pelo consumo supérfluo. 'Nada poderia ser maior que a sedução' - diz Jean Baudrillard - 'nem mesmo a ordem que a destrói.' E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela Internet. Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.
Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam indagando se necessito algo. 'Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático', respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês, respondia: 'Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz'.

Que acha?
"I Am Easily Assimilated", Christa Ludwig.

sábado, setembro 13, 2008

Luz dolorosa. Cruz e Souza. Poesia

LUZ DOLOROSA
Cruz e Souza

Fulgem da luz os viáticos serenos,
Brancas extrema-unções dos hostiários:
As estrelas dos límpidos sacrários
A nívea lua sobre a paz dos fenos.

Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários...
E nos brilhos da luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos...

Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias...

Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisíveis
Com o tóxico das cóleras sombrias...



O grande canal. Canaletto.
Cálice, Maria Bethania.

sexta-feira, setembro 12, 2008

Contrição. Bastos Tigre. Poesia

CONTRIÇÃO
Bastos Tigre

Não sei a quanto mal dei eu motivo,
Danos que fiz e prantos que causei;
Mas se homem sou e, se entre os homens vivo,
Vivo do erro sujeito à humana lei.

Soberbo fui, querendo ser altivo?
Quis ser justo e o inocente castiguei?
Fui, servindo à maldade, ao bem, nocivo?
- Vivo e vivi. É tudo quanto sei.

Quem há que os rumos do destino mude?
Dependesse de mim, fora eu feliz
Na divina volúpia da virtude.

Não me castigarás, sereno juiz,
Pelo bem que não fiz porque não pude,
Nem pelo mal que sem querer eu fiz.

Basilica de São Marcos. Veronese.
“Rosa de Hiroshima”, Ney Matogrosso.

quinta-feira, setembro 11, 2008

BREVE. Charles Fonseca. Poesia.

BREVE
Charles Fonseca

Oh meus amados, busco olhar os teus
Olhares perdidos tão sem sentido
Dos meus carinhos ouvir de novo
Novos vagidos nos teus renovos
Filhos nascidos em vós sorrisos
Não dêem olvidos aos versos meus.

Oh meus amados filhos, por Deus
Gerados fostes num tempo alegre
Que voltem breve a mim cansado
De tanto amar-vos vida tão breve
Tanta a saudade não quero ir-me
Sem teus abraços, faltando um adeus.



Almoço na casa de Levi. Veronese.
“Sampa”, Caetano Veloso.

quarta-feira, setembro 10, 2008

A SERENATA
Adélia Prado

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natal como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

Rosa. Gustave Caillebotte.
“Abertura em Dó Maior, op.124”, Beethoven.

terça-feira, setembro 09, 2008

IMPOTENTE. Charles Fonseca. Poesia.

IMPOTENTE
Charles Fonseca

Confesso sou impotente
Pra deixar de amar mulheres
Quão belas, baixo escaleres
Aporto nelas somente

Esposa, filha, enteada,
Sobrinhas demais amigas
Ai, tantas são causam intrigas
À minh’alma entrecostada.



Ofélia, Alexandre Cabanel.
“A deusa da minha rua”, Orlando Silva.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Se eu de ti me esquecer. Bernardo Guimarães. Poesia

SE EU DE TI ME ESQUECER
Bernardo Guimarães

Se eu de ti me esquecer, nem mais um riso
Possam meus tristes lábios desprender;
Para sempre abandone-me a esperança,
Se eu de ti me esquecer.

Neguem-me auras o ar, neguem-me os bosques
Sombra amiga, em que possa adormecer,
Não tenham para mim murmúrio as águas,
Se eu de ti me esquecer.

Em minhas mãos em áspide se mude
No mesmo instante a flor, que eu for colher;
Em fel a fonte, a que chegar meus lábios,
Se eu de ti me esquecer.

Em meu peregrinar jamais encontre
Pobre albergue, onde possa me acolher;
De plaga em plaga, foragido vague,
Se eu de ti me esquecer.

Qual sombra de precito entre os viventes
Passe os míseros dias a gemer,
E em meus martírios me escarneça o mundo,
Se eu de ti me esquecer.

Se eu de ti me esquecer, nem uma lágrima
Caia sobre o sepulcro, em que eu jazer;
Por todos esquecido viva e morra,
Se eu de ti me esquecer.

Psique e Pan. Burnes.
“Respect”, Aretha Franklin.

sábado, setembro 06, 2008

SOLIDÃO
Chico Buarque

Solidão não é a falta de gente para conversar,
namorar, passear ou fazer sexo... isto é carência.

Solidão não é o sentimento que experimentamos
pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar..... isto
é saudade.

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe,
às vezes, para realinhar os pensamentos...isto é equilíbrio.

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos
impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida... isto é um
princípio da natureza.

Solidão não é o vazio de gente ao nosso
lado..... isto é circunstância.

Solidão é muito mais do que isto. Solidão é
quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa
alma...

Francisco Buarque de Holanda

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Bounialis.



"Ne Me Quitte Pas", Jacques Brel.

sexta-feira, setembro 05, 2008

AS DUAS FLORES
Castro Alves

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!

Filippo Brunelleschi.
“Me deixas louca”, Elis Regina.

quinta-feira, setembro 04, 2008

A DANÇA DA PSIQUE
Augusto dos Anjos

A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombam, cedendo à ação de ignotos pesos!

É então que a vaga dos instintos presos
- Mãe de esterilidades e cansaços -
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos

Subitamente a cerebral coréia
Pára. O cosmos sintético da Idéia
Surge. Emoções extraordinárias sinto

Arranco do meu crânio as nebulosas
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!

O massacre dos inocentes. Bruegel.
“Jesus, a alegria dos homens”, Bach

quarta-feira, setembro 03, 2008

SOL INCOMPLETO
Mário Hélio

a manhã
lilases lilases
perdizes e avestruzes
aprisionadas em minha mente
e as marcas dorvalho descoram descrentes
na minha casa o sol é incompleto
o dia cresce na face e a noite nasce
para-
lela-
mente
porque não há escolha
no templo há somente hastes e naves inconseqüentes
as flores não nascem
existem pura e simplesmente
porque não há escolha



a manhã recebeu a angústia
dos primeiros raios que ressecam as folhas

Pierre Bonnard.
“Datemi Un Martello”, Rita Pavone.

terça-feira, setembro 02, 2008

PARA O SEXO A EXPIRAR
Carlos Drummond de Andrade

Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante.
Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor - o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.

Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.

Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.

Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sêmen aljofrando o irreparável ermo.

Rita, Boldinni.
”Silent woods”, Dvorak.

segunda-feira, setembro 01, 2008

QUISERA SER OUTRO
João Luís de Ornelas Teixeira

Quisera ser outro
Como se não me bastasse ser eu!...

Quisera ser outro
E arremessei virilmente meus despojos
Das íntimas batalhas passadas.

O vento do entusiasmo levou as cinzas para longe
Olhei-me ao espelho da vida. Não me conheci.
Ignorado (para sempre) qual o real?

Ora, desconheço-me doutrora
Sabe-me tanto a outro não-eu...

Quisera ser outro...
Sem deixar de ser eu...

E, ora vejo, adaga luminosa
Do meu sonho árabe
Longe-vagante,
Meu débil ser
Num espasmo sanguíneo
Escrever convulso na terra
A história do que não fui
Mas viria a ser.

Quisera ser outro
Sem deixar de ser eu...
E, fiquei eternamente ancorado
Ao cais da Criação
Esperando a redenção do ser.

Dante e Virgilio nos portões do inferno. W. Blake.
"Amsterdam", Jacques Brel.