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segunda-feira, junho 30, 2008

Terra - Caetano Veloso

Castelo de Santo Angelo. Van Wittel.
QUIETUDE NO OCEANO
Goethe

Um silêncio desceu, profundo, sobre as águas,
E sem arfar sequer repousa o velho mar;
Entanto o pescador, a ruminar as mágoas,
Volve lasso, em redor, os olhos devagar.

Não há nenhum rumor por mais sutil e brando,
Não há no mar ou no ar vagas nem viração...
— Só existe o silêncio imenso amortalhando
A impassível aquosa e límpida amplidão.

domingo, junho 29, 2008

Ney Matogrosso - Mal Necessário (ao vivo)

"The Jewish Cemetery", Jacob van Ruysdael.
A CAVERNA
Platão

"E agora, deixa-me mostrar, por meio de uma comparação, até que ponto nossa natureza humana vive banhada em luz ou mergulhada em sombras. Vê! Seres humanos vivendo em um abrigo subterrâneo, uma caverna, cuja boca se abre para a luz, que a atinge em toda a extensão. Aí sempre viveram , desde crianças, tendo as pernas e o pescoço acorrentados, de modo que não podem mover-se, e apenas vêem o que está à sua frente, uma vez que as correntes os impedem de virar a cabeça.
Acima e por trás deles, um fogo arde a certa distância e, entre o fogo e os prisioneiros, a uma altura mais elevada, passa um caminho. Se olhares bem, verás uma parede baixa que se ergue ao longo desse caminho, como se fosse um anteparo que os animadores de marionetes usam para esconder-se enquanto exibem os bonecos.
[...] Pois esses seres são como nós. Vêem apenas suas próprias sombras, ou as sombras uns dos outros, que o fogo projeta na parede que lhes fica à frente."

sábado, junho 28, 2008

Elvis Presley – Fever 7.6

A ressurreição de Lázaro. Van Ouwater.

SINGULAR. Charles Fonseca

SINGULAR
Charles Fonseca

O que leva um homem a querer uma mulher,
Que traços do passado um e outro carregam?
Que os faz transitar do amargo ao mel,
Os dois em que imaginário trafegam?

De quem ela está no lugar
E ele que outro olhar inclui?
Nela, por onde vaga o seu olhar,
Nele, o presente a que passado reflui?

sexta-feira, junho 27, 2008

Nancy Sinatra Bang Bang

O alquimista. Van Ostad.
ESSA NEGRA FULÔ
Jorge de Lima

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
- Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!

"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
- Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?

Essa negra Fulô!

quinta-feira, junho 26, 2008

Pelo Telefone - Chico Buarque, Donga, Pixinguinha e Hebe

Guitarra barroca. Van Honthorst.

Relâmpago. Cassiano Ricardo

RELÂMPAGO
Cassiano Ricardo

A onça pintada saltou tronco acima que nem um relâmpago
de rabo comprido e cabeça amarela:
Zás!
Mas uma flecha ainda mais rápida que o relâmpago fez
rolar ali mesmo
Aquele matinal gatão elétrico e bigodudo
Que ficou estendido no chão feito um fruto de cor
que tivesse caído de uma árvore!

quarta-feira, junho 25, 2008

Acauã por Xangai em Petrolina

Jardim dos poetas, Van Gogh.

CATINGAGOURENTA. Charles Fonseca. Poesia.

CATINGAGOURENTA
Charles Fonseca

A alma tão delicada
Da pomba arribaçã
Carcará ou então cauã
Virou na terra queimada

Minha cabra cabriola
Seu olhar doce carneiro
Mais que bode de terreiro
Agora conta lorota

Até doce sabiá
Junto ao canário inocência
Agoura maledicência
Crocita quem sabe lá?

Ai, meu Deus o tico-tico
O cardeal de coleira
Até a rola ligeira
Gavião já é com bico

Eu então dessa caatinga
Vou-me embora fico não
Adeus meu velho sertão
Subo serra, morro acima.


terça-feira, junho 24, 2008

ÁGUA VIVA
Clarice Lispector

Sim , quero a palavra última que também é tão primeira que já se confunde com a parte intangível do real. Ainda tenho medo de me afastar da lógica porque caio no instintivo direto, e no futuro: a invenção do hoje é o meu único meio de instaurar o futuro. Desde já é futuro, e qualquer hora é hora marcada. Que mal porém tem eu me afastar da lógica? Estou lidando com a matéria prima. Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais. Estou num estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo.
(...)
É um estado de contato com a energia circundante e estremeço. Uma espécie de doida, doida harmonia. Sei que meu olhar deve ser o de uma pessoa primitiva que se entrega toda ao mundo, primitiva como os deuses que só admitem vastamente o bem e o mal e não querem conhecer o bem enovelado como em cabelos do mal, mal que é bom.
(...)
Terei de morrer de novo para de novo nascer? Aceito.

segunda-feira, junho 23, 2008

Roberto Carlos - Namoradinha de Um Amigo Meu, 1967

A virgem e a criança, Van Eyck.
MAL SECRETO
Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

domingo, junho 22, 2008

Elizete Cardoso - Naquela Mesa

Retrato de Charles V, Van Dick.
LONGE DE TUDO
Cruz e Souza

É livres, livres desta vã matéria,
longe, nos claros astros peregrinos
que havemos de encontrar os dons divinos
e a grande paz, a grande paz sidérea.

Cá nesta humana e trágica miséria,
nestes surdos abismos assassinos
teremos de colher de atros destinos
a flor apodrecida e deletéria.

O baixo mundo que troveja e brama
só nos mostra a caveira e só a lama,
ah! só a lama e movimentos lassos...

Mas as almas irmãs, almas perfeitas,
hão de trocar, nas Regiões eleitas,
largos, profundos, imortais abraços!

sábado, junho 21, 2008

Noite dos mascarados - Chico, Nara e MPB-4

Mulher de Roger van der Weyden.
AUTOPSICOGRAFIA
Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

sexta-feira, junho 20, 2008

Roberto Carlos - Meu Querido Meu Velho

Leitura à mesa. Van der Goes.

ANTES DE SER. Charles Fonseca

ANTES DE SER
Charles Fonseca

Enquanto houver vida sopro
Haverá de esperança
De te ver inda criança
Antes do haver sol posto

Para trás lembrança amarga
Banhado em luz outra à frente
Levado em amor eu crente
Dói-me ainda a ilharga

De ter gerado o impensado
Te almejado antes de seres
Não os teus mas os quereres
Em nós por só ter-te amado.

quinta-feira, junho 19, 2008

Elis Regina, O bebado e a equilibrista.

Concerto. Baburen.
A CASA
Olavo Bilac

Vê como as aves têm, debaixo d'asa,
O filho implume, no calor do ninho!...
Deves amar, criança, a tua casa!
Ama o calor do maternal carinho!

Dentro da casa em que nasceste és tudo...
Como tudo é feliz, no fim do dia,
Quando voltas das aulas e do estudo!
Volta, quando tu voltas, a alegria!

Aqui deves entrar como num templo,
Com a alma pura, e o coração sem susto:
Aqui recebes da Virtude o exemplo,
Aqui aprendes a ser meigo e justo,

Ama esta casa! Pede a Deus que a guarde,
Pede a Deus que a proteja eternamente!
Porque talvez, em lágrimas, mais tarde,
Te vejas, triste, desta casa ausente...

E já homem, já velho e fatigado,
Te lembrarás de casa que perdeste,
E hás de chorar, lembrando o teu passado...
Ama, criança, a casa em que nascestes!

quarta-feira, junho 18, 2008

Clara Nunes - O mar serenou

Willem van Aelst, "Still Life with Flowers" (1665)

PAI CORUJA. Charles Fonseca. Poesia

PAI CORUJA
Charles Fonseca

A cortina em voil
Teu berço todo alvinho
O lençol todo arminho
Eu teu pai só bacurau

De noite te corujando
De dia eu tico-tico
Não sei se vou ou se fico
Ao teu lado só ninando

Será te verei já adulta
Tu já mãe e eu avô
Não, antes eu não me vou,
Oh Deus dá-me esta ventura!

terça-feira, junho 17, 2008


Jovem nua. Felix Edouard Vallotin.
A SUPREMA EXCELÊNCIA DO AMOR

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal;
não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais acaba;
Mas havendo profecias, serão aniqüiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniqüilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino;
Mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face;
Agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, e o amor, estes três;
Mas o maior destes é o amor."
(Bíblia)

segunda-feira, junho 16, 2008

Luiz Gonzaga ficou sem falar com o pai Januário por dezesseis anos. Gonzaguinha, por muitos anos também ficou sem falar com o pai Luiz Gonzaga. Assisti a um show dos dois já reconciliados. Antológico. Quem ganhou o que? Quem perdeu pra quem?
Luiz Gonzaga - Respeita Januário

Batalha de São Romão. Paolo Ucello.
VENCIDOS
Emiliano Perneta

Nós ficaremos, como os menestréis da rua,
Uns infames reais, mendigos por incúria,
Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua,
Desferindo ao luar cantigas de penúria?

Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua
Maldição, ó Roland? ... E, mortos pela injúria,
Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua
Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria?

Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço ...
Hão de os grandes rolar dos palácios infetos!
E gloria à fome dos vermes concupiscentes!
Embora, nós também, nós, num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos! inquietando as estrelas dormentes!

domingo, junho 15, 2008

Roberto Carlos, Outra Vez.

Amigas, Toulouse Lautrec.
VERDE
Júlio Maciel

Há uma ressurreição no Sertão rudo.
Uma ressurreição! — Verde e risonho
É o vale, verde a serra, é verde tudo
Em que os meus olhos, deslumbrado, ponho.

Bruto alcantil de aspecto mau, desnudo
Esvão de terra, ríspido e tristonho,
— Agora têm branduras de veludo,
Verdes agora os vejo, como em sonho!

Em cisma, a sós, contemplo verde liana,
Verde, tão verde, com carícia humana
As ruínas afagando a uma tapera.

E na contemplação que me não cansa,
Sinto quão doce és tu, cor da Esperança,
— Até nos olhos de quem nada espera...

sábado, junho 14, 2008

Pais Tropical. Jorge Ben. Acustico.

Mulheres tocando música. Tintoretto.

Casamento do céu e do inferno. Carlos Drummond de Andrade. Poesia

CASAMENTO DO CÉU E DO INFERNO
Carlos Drummond de Andrade

Casamento do Céu e do Inferno
No azul do céu metileno
a lua irônica diurética
é uma gravura de sala de jantar.

Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.

Pela escada em espiral
diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à via-láctea,
vaga-lumeando...

Por uma frincha o diabo espreita com o olho torto.

sexta-feira, junho 13, 2008

quinta-feira, junho 12, 2008


Giovanni Battista Tiepolo.

A vergonha. Ruy Barbosa. Prosa

A VERGONHA DE RUY BARBOSA
"A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação. A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais. A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas. De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."

quarta-feira, junho 11, 2008

João Bosco - Papel Maché - Altas Horas
LA ROSA BLANCA
Jose Martí

cultivo una rosa blanca
en Junio, como en Enero
para el amigo sincero
que me da su mano franca

Y para el cruel que me arranca.
El corazón con que vivo,
cardo ni ortiga cultivo
cultivo una rosa blanca.

segunda-feira, junho 09, 2008


Sísifo. Ticiano.
MOEMA
Hermes Fontes

Rosa rubra dos Trópicos... Moema!
Alma-virgem das lendas brasileiras!
Irmã — pela constância — de Iracema...

Romântica-selvagem! flor de idílio,
antes havido só nas verdadeiras
Amorosas de Homero e de Virgílio!

Predestinada, passional Moema!
Amor sacrificado! dor vivida
nos sete espinhos de amoroso poema!

Virginal Dido-Elissa das florestas,
mais do que abandonada — incompreendida
no amor de sacrifício, a que te aprestas!

Caramuru partiu... E, como Enéas,
foi para sempre! Mas, não foi sozinho,
arrebatado a novas epopéias.

Foi entre os braços de outra — amante e amado —
abrindo sobre as ondas o caminho
à galera feliz do seu noivado.

Vendo esbater-se, no horizonte, a nave,
tentou-te o Mar. E, entregue à tua sorte,
foste boiando à correnteza suave...

Oh! que desgraça! e que beleza, a tua!
— "Tanto era bela, no seu rosto, a Morte",
e, no seu corpo, a virgindade nua!

sábado, junho 07, 2008

Tim Maia - Não quero dinheiro

Por dinheiro. Charles Fonseca. Prosa.

Por dinheiro
Charles Fonseca

Cuspiram em sua face, o esmurraram. Quis ficar entre os que eram seus. Não o receberam, tapa na cara foi-lhe aplicado. Verteu-se em sangue a face que era doce. Amou o quanto pôde, até a mais. Expulso de sua própria terra, não teve onde reclinar a cabeça. Por dinheiro vincendo foi vendido, acusado, na sua boca o travo fel. Ceifado após tantas mortes curtas, as da desilusão. Como ainda ama então? E, no entanto, ama sem preço, sem pressa, vencendo a solidão. E ainda está à espera. Falta a prece pela falta. Tu não o reconheces?


sexta-feira, junho 06, 2008

Meu apelido é chamego. Charles Fonseca. Prosa.

MEU APELIDO É CHAMEGO
Charles Fonseca

Confidência só ao pé do ouvido, ouvido em pé e sem olvido. Olhares só aos milhares, olfato só ao jasmim que me encantou e que mora em mulher que habita em mim, só ela aqui, no lado esquerdo do peito e que com por e através dela componho. O meu amor transborda e o cálice-mel da vida faz o fel dela ir-se embora antes da hora mas a vida é tão curta pra tanto cheirinho de murta. Curto mais vida após tantas mortes curtas. Sendo assim, chegue-se a mim. A ti meu aconchego. Há muita chama. Meu apelido é Chamego.


quarta-feira, junho 04, 2008


O tocador de flauta. Hendrick Terbrugghen.

OLHA PRO CÉU, MEU AMOR. Charles Fonseca. Poesia.

OLHA PRO CÉU, MEU AMOR
Charles Fonseca

Nosso caso é demorado
É como do mosto ao vinho
Quanto mais velho carinho
Rebrota em flores no galho.

É como a maré cheia
Que se quebra na praia
Que à vazante espalha
Búzios sonoros na areia

Que contam de Iemanjá
Cicios pro pescador
Que acredita no amor
Que mora no fundo do mar.

É como o estrelejo
Onde brilham tão distantes
Estrelas de outros instantes
Choram saudades, desejos.


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segunda-feira, junho 02, 2008

Você não sabe, Maria Bethania.
NA MÃO DE DEUS
Antero de Quental

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despôjo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!