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sexta-feira, novembro 30, 2007


A fiadeira. Millais.
ENTRE O CORPO E A ALMA
“A antítese entre consciente e inconsciente não se aplica aos instintos. Um instinto nunca pode tornar-se objeto da consciência – só a idéia que o representa pode. Além disso, mesmo no inconsciente, um instinto não pode ser representado de outra forma a não ser por uma idéia.” Freud.

terça-feira, novembro 27, 2007


A passagem do noroeste. Millais.
O AMOR
Victor Hugo

Pois que a beber me deste em taça transbordante,
E a fronte no teu colo eu tenho reclinado,
E respirei da tu’alma o hálito inebriante,
- Misterioso perfume à sombra derramado;

Visto que te escutei tanto segredo, tanto!
Que vem do coração, dos íntimos refolhos,
E tive o teu sorriso e enxuguei o teu pranto,
- A boca em minha boca e os olhos nos meus olhos;

Pois que um raio senti do teu astro, querida,
Dissipar-me da fronte as densas brumas frias,
Desde que vi cair na onda da minha vida
A pétala de rosa arrancada aos teus dias…

Posso agora dizer ao tempo, em seus rigores:
- Não envelheço, não! podeis correr, sem calma,
Levando na torrente as vossas murchas flores
Ninguém há de colher a flor que eu tenho n’alma!

Podeis com a asa bater, tentando, sem efeito,
A taça derramar em que me dessedento:
Do que cinzas em vós há mais fogo em meu peito;
E, em mim, há mais amor que em vós esquecimento!

sexta-feira, novembro 23, 2007


A dança de Salomé. Benozzo.
TENTATIVA DE FUGA

“Deve-se descrever uma repressão tal como ocorre numa fobia animal, como sendo radicalmente destituída de êxito. Ela apenas remove e substitui a idéia, falhando inteiramente em poupar o desprazer. É também por esse motivo que o trabalho da neurose não cessa. Prossegue até uma segunda fase, a fim de atingir seu mais importante e imediato propósito. O que se segue é uma tentativa de fuga – a formação da fobia propriamente dita, de um grande número de evitações destinadas a impedir a liberação da ansiedade”. Freud.

terça-feira, novembro 20, 2007

O fruto proibido. Michelangelo.
DIANTE DE UMA CRIANÇA
Carlos Drummond de Andrade

Como fazer feliz meu filho?
Não há receitas para tal.
Todo o saber, todo o meu brilho
de vaidoso intelectual
vacila ante a interrogação
gravada em mim, impressa no ar.
Bola, bombons, patinação
talvez bastem para encantar?

Imprevistas, fartas mesadas,
louvores, prêmios, complacências,
milhões de coisas desejadas,
concedidas sem reticências?

Liberdade alheia a limites,
perdão de erros, sem julgamento,
e dizer-lhe que estamos quites,
conforme a lei do esquecimento?

Submeter-me à sua vontade
sem ponderar, sem discutir?
Dar-lhe tudo aquilo que há
de entontecer um grão-vizir?

E se depois de tanto mimo
que o atraia, ele se sente
pobre, sem paz e sem arrimo,
alma vazia, amargamente?

Não é feliz. Mas que fazer
para consolo desta criança?
Como em seu íntimo acender
uma fagulha de confiança?

Eis que acode meu coração
e oferece, como uma flor,
a doçura desta lição:
dar a meu filho meu amor.

Pois o. amor resgata a pobreza,
vence o tédio, ilumina o dia
e instaura em nossa natureza
a imperecível alegria.

sexta-feira, novembro 16, 2007


Beijo de Judas. Giotto.
VICISSITUDES DO INSTINTO
O fator quantitativo do representante instintual possui três vicissitudes possíveis, tal como podemos verificar pelo breve exame das observações feitas pela psicanálise: ou o instinto é inteiramente suprimido, de modo que não se encontra qualquer vestígio dele, ou aparece como um afeto que de uma maneira ou de outra é qualitativamente colorido, ou transformado em ansiedade. As duas últimas possibilidades nos apontam a tarefa de levar em conta, como sendo uma vicissitude instintual ulterior, a transformação em afetos, e especialmente em ansiedade, das energias psíquicas dos instintos. Freud.

terça-feira, novembro 13, 2007


Mestre do Wilton Diptych.
GRATUIDADE DAS AVES E DOS LÍRIOS.
Manoel de Barros.

Sempre que as gratuidades pousam em minhas palavras, elas são abençoadas por pássaros e por lírios.
Os pássaros conduzem o homem para o azul, para as águas, para as árvores e para o amor.
Ser escolhido por um pássaro para ser a árvore dele: eis o orgulho de uma árvore.
Ser ferido de silêncio pelo vôo dos pássaros: eis o esplendor do silêncio.
Ser escolhido pelas garças para ser o rio delas: eis a vaidade dos rios.
Por outro lado, o orgulho dos brejos é o de serem escolhidos por lírios que lhes entregarão a inocência.
(Sei entrementes que a ciência faz cópia de ovelhas
Que a ciência produz seres em vidros
Louvo a ciência por seus benefícios à humanidade
Mas não concordo que a ciência não se aplique em produzir encantamentos. )
Por quê não medir, por exemplo, a extensão do exílio das cigarras ?
Por quê não medir a relação de amor que os pássaros têm com as brisas da manhã ?
Por quê não medir a amorosa penetração das chuvas no dentro da terra?
Eu queria aprofundar o que não sei, como fazem os cientistas, mas só na área dos encantamentos.
Queria que um ferrolho fechasse o meu silêncio, para eu sentir melhor as coisas increadas.
Queria poder ouvir as conchas quando elas se desprendem da existência.
Queria descobrir por quê os pássaros escolhem a amplidão para viver enquanto os homens escolhem ficar encerrados em suas paredes ?
Sou leso em tratagem com máquina; mas inventei, para meu gasto, um Aferidor de Encantamentos.
Queria medir os encantos que existem nas coisas sem importância.
Eu descobri que o sol, o mar, as árvores e os arrebóis são mais enriquecidos pelos pássaros do que pelos homens.
Eu descobri, com o meu Aferidor de Encantamentos, que as violetas e as rosas e as acácias são mais filiadas dos pássaros do que dos cientistas.
Porque eu entendo, desde a minha pobre percepção, que o vencedor, no fim das contas, é aquele que atinge o inútil dos pássaros e dos lírios do campo.
Ah, que estas palavras gratuitas possam agora servir de abrigo para todos os pássaros do Brasil!

sábado, novembro 10, 2007

Entendeu?




São Gregorio. Mestre do Registro Gregorii.
A PRÉ-HISTÓRIA DO SUJEITO.

“Como sabemos, no entanto, o conflito de um neurótico torna-se compreensível e admite solução somente quando é remontado à sua pré-história, quando uma pessoa volta atrás ao longo do caminho que sua libido seguiu quando ela adoeceu”. Freud.

terça-feira, novembro 06, 2007


O nascimento da Virgem. Mestre Marienlebens.
CÍRCULO VICIOSO
Machado de Assis

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol com azedume:

"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"...

sexta-feira, novembro 02, 2007


Crucifixo. Cimabue.
ÀS URTIGAS
“A rejeição total do conhecimento analítico pode ocorrer sempre que surge uma resistência especialmente forte em qualquer profundidade da mente. Às vezes conseguimos, depois de muito trabalho, fazer com que o paciente aprenda algumas partes do conhecimento analítico e possa lidar com elas como posses suas, e mesmo assim podemos vê-lo, sob o domínio da própria resistência seguinte, lançar tudo o que aprendeu às urtigas e ficar na defensiva como o fez nos dias em que era um principiante despreocupado. Tive de aprender que a mesmíssima coisa pode acontecer tanto com psicanalistas como com pacientes em análise.” Freud.