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domingo, setembro 30, 2007

A incompletude. Freud

“Logo me dei conta da necessidade de levar a efeito uma auto-análise, e o fiz com a ajuda de uma série de meus próprios sonhos que me conduziram de volta a todos os fatos da minha infância, sendo ainda hoje de opinião que essa espécie de análise talvez seja o suficiente para uma pessoa que sonhe com freqüência e não seja muito anormal.”
“Minha auto-análise continua interrompida e eu percebi a razão. Só posso me analisar com a ajuda de conhecimentos obtidos objetivamente (como os de um estranho). A verdadeira auto-análise é impossível; não fosse assim, não haveria doença [neurótica]”.
“Na auto-análise o perigo da incompletude é particularmente grande. A pessoa se satisfaz com uma explicação parcial, por trás da qual a resistência pode facilmente estar retendo algo que é talvez mais importante”. Freud.

Transfiguração. Lotto.

quinta-feira, setembro 27, 2007

FESTA SUPIMPA. Charles Fonseca. Poesia.

FESTA SUPIMPA
Charles Fonseca

Eu nunca te vi tão linda
Nem quando em minha garupa
Tu criança eu em upa
Relinchava lembro ainda

Era eu o teu cavalo
Tu me eras doce sonho
De menina, 'stou tristonho,
Saudoso de ti só falo

De te ver já não menina
Agora tu és uma moça
Cuidar de criança é louça,
Pediatra supimpa.



Manhã de páscoa. Lorrain.
O DUPLO
Affonso Romano de Sant'Anna

Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza.

Debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
-que perturba quem me ama.

Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
-pensando que eu sou ele.

Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.

Alegoria do bom governo. Lorenzetti.

terça-feira, setembro 25, 2007

A vereda da vida. Elisio Felix da Rocha. Poesia

A vereda da vida
Elisio Felix da Rocha

Não indaguei de ninguém, ninguém me disse
O início dos meus primeiros anos
Mas nos passos dos tristes desenganos
Vim parar na ladeira da velhice
E, temendo que o mundo não me visse,
Procurei arrodeios infernais
Mas o rio das águas imortais
Me mostrou a corrente caudalosa
A vereda da vida é tão penosa
Que me assombro com as curvas que ela faz.

Vou morrer caminhando sem dar crença
As misérias da vida sem proveito
Estas coisas que o homem está sujeito
O desgosto, o amor e a doença
Sem temer nesta vida a negra ofensa
De espadas, pistolas e punhais
A vereda da vida é tão penosa
Que me assombro com as curvas que ela faz.

O desgosto do homem não se finda
Na tangente da vida tão extensa
A esperança fracassa e também pensa
Que seu dono cansado está de vinda
O desgosto fugiu, mas volta ainda
A esperança morreu, não volta mais
Pois a minha não vive, há tempo jaz
Nas montanhas da alma cavernosa
A vereda da vida é tão penosa
Que me assombro com as curvas que ela faz.

Acho tarde demais para voltar
Estou cansado demais para seguir
Os meus lábios se recusam a sorrir
Sinto lágrimas, não posso mais chorar
Eu não posso partir, também ficar
Pra seguir, a viagem é perigosa
A vereda da vida é tão penosa
Que me assombro com as curvas que ela faz.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Apropriação indébita. Freud.

“Qualquer linha de investigação que reconheça esses dois fatos [transferência e resistência] e os torne como ponto de partida de seu trabalho tem o direito de chamar-se psicanálise, mesmo que chegue a resultados diferentes dos meus. Mas quem quer que aborde outros aspectos do problema, evitando essas duas teses, dificilmente poderá escapar à acusação de apropriação indébita por tentativa de imitação, se insistir em chamar-se a si próprio de psicanalista”. Freud.
O AMOR, QUANDO SE REVELA
Fernando Pessoa

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Madona com dois anjos. Lippi.

domingo, setembro 23, 2007

AVISO DA LUA QUE MENSTRUA
Elisa Lucinda

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.

Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia

Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...

Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.

Cuidado com cada letra que manda pra ela!

Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.

Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!

Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.

Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.

Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...

Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.

Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.

Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.

Ela é uma cobra de avental.

Não despreze a meditação doméstica.

É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofia
cozinhando, costurando
e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...

Você que não sabe onde está sua cueca?

Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.

E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.

São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?

O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.

Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.

Tá, não, homem.

Tá citando o princípio do mundo!

Tobias e o anjo. Lippi.

sexta-feira, setembro 21, 2007

SERMÃO DO BOM LADRÃO
Padre Antonio Vieira

“Este sermão, que hoje se prega na Misericórdia de Lisboa, e não se prega na Capela Real, parecia-me a mim que lá se havia de pregar, e não aqui. Daquela pauta havia de ser, e não desta. E por quê? Porque o texto em que se funda o mesmo sermão, todo pertence à majestade daquele lugar, e nada à piedade deste. Uma das coisas que diz o texto é que foram sentenciados em Jerusalém dois ladrões, e ambos condenados, ambos executados, ambos crucificados e mortos, sem lhes valer procurador nem embargos (...). Pediu o Bom Ladrão a Cristo que se lembrasse dele no seu reino: Domine, memento mei, cum veneris in regnum tuum. E a lembrança que o Senhor teve dele foi que ambos se vissem juntos no Paraíso: Hodie mecum eris in Paradiso. Esta é a lembrança que devem ter todos os reis, e a que eu quisera lhes persuadissem os que são ouvidos de mais perto. Que se lembrem não só de levar os ladrões ao Paraíso, senão de os levar consigo: Mecum. Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis. Isto é o que hei de pregar. Ave Maria”.

A chocolateira. Liotard.

quinta-feira, setembro 20, 2007

SUSPIROS VAGOS. Charles Fonseca. Poesia.

SUSPIROS VAGOS
Charles Fonseca

No relógio as horas batem,
Corre manso o rio das contas
Levando no faz de contas
Tantas vidas pelas margens!

Batem as horas no relógio
Na parede do sobrado,
Tangem almas no assombrado,
Queixas gemem em velório

Nas paixões das horas vagas,
Vagos amores lá dormem,
No peito de amantes sobem,
Saudades, suspiros vagos...



As riquíssimas horas. Limbourg.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Cântico dos cânticos
Rei Salomão

Quão belos são os teus pés
nas sandálias que trazes, ó filha de príncipe!
As colunas das tuas pernas são como anéis
trabalhados por mãos de artista.
o teu umbigo é uma taça arredondada,
que nunca está desprovida de vinho.
O teu ventre é como um monte de trigo
cercado de lírios.
Os teus dois seios são como dois filhinhos
gêmeos duma gazela.
O teu pescoço é como uma torre de marfim.
Os teus olhos são como as piscinas de Hesebon,
que estão situadas junto da porta de Bat-Rabim.
O teu nariz é como a torre do Líbano,
que olha para Damasco.
A tua cabeça levanta-se como o monte Carmelo;
os cabelos da tua cabeça são como a púrpura
um rei ficou preso às suas madeixas.
Quão formosa e encantadora és,
meu amor, minhas delícias!
A tua figura é semelhante a uma palmeira.
Eu disse. Subirei à palmeira,
e colherei os seus frutos.
Os teus seios serão, para mim, como cachos de uvas,
e o perfume da tua boca como o das maçãs.

segunda-feira, setembro 17, 2007


Leda e o cisne. Da Vinci. "Foi dessa união que nasceram os ovos, matrizes de gêmeos e gêmeas, Castor e Pollux (constelação dos Gêmeos), Helena e Clitennestra (Guerra de Troia, traição de Clit a Agamenon, vingança de Electra - complexo de Electra, símile ao Édipo masculino." (colaboração do poeta Ernane Gusmão).
ARGILA
Raul de Leôni

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis)

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...

domingo, setembro 16, 2007


São José. La Tour.
CULTIVO UMA ROSA BRANCA
Jose Marti

Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo verdadeiro
que me dá sua mão franca.

E para o cruel que me arranca
o coração com que vivo,
cardo, urtiga não cultivo:
cultivo uma rosa branca.

quinta-feira, setembro 13, 2007

O amor ambivalente. Freud.
“Qualquer pessoa que investigue a origem e a significação dos sonhos de morte de parentes amados (pais, irmãos ou irmãs) poderá convencer-se de que as pessoas que sonham, as crianças e os selvagens estão de acordo em sua atitude para com os mortos – uma atitude baseada na ambivalência emocional.” Freud.

O beijo. Klimt.

segunda-feira, setembro 10, 2007

RECEITA DE MULHER
Vinícius de Moraes

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança,
qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize
elegantemente em azul,
como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso
que súbito tenha-se a
impressão de ver uma
garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só
encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas
que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso,
é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que
umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como no âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas,
e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras:
uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!).
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser frescas nas mãos, nos braços, no dorso, e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não estará mais presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

O visitante. Kirchner.

sábado, setembro 08, 2007

Uma visão poética da velhice.

Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos em que dirás: não tenho prazer neles; antes que se escureçam o sol e a luz, e a lua, e as estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva; no dia em que tremerem os guardas da casa, e se curvarem os homens fortes, e cessarem os moedores, por já serem poucos, e se escurecerem os que olham pelas janelas, e as portas da rua se fecharem; quando for baixo o ruído da moedura, e nos levantarmos à voz das aves, e todas as filhas da música ficarem abatidas; como também quando temerem o que é alto, e houver espantos no caminho; e florescer a amendoeira, e o gafanhoto for um peso, e falhar o desejo; porque o homem se vai à sua casa eterna, e os pranteadores andarão rodeando pela praça; antes que se rompa a cadeia de prata, ou se quebre o copo de ouro, ou se despedace o cântaro junto à fonte, ou se desfaça a roda junto à cisterna, e o pó volte para a terra como o era, e o espírito volte a Deus que o deu. Vaidade de vaidades, diz o pregador, tudo é vaidade.
(Eclesiastes. Capítulo 12)

Auto-retrato.Angelica Kauffmann.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Quem ama odeia e vice-versa.
“Quando uma esposa perde o marido ou uma filha a mãe, não é raro acontecer que a sobrevivente fique atormentada por dúvidas atrozes (às quais damos o nome de ‘autocensuras obsessivas’) quanto a se ela própria não poderia ter sido a responsável pela morte desse ente querido através de algum ato de descuido ou negligência. Nenhuma quantidade de lembranças do cuidado que prodigalizou ao sofredor e nenhuma quantidade de refutações objetivas da acusação servem para dar fim ao tormento. Essa atitude pode ser encarada como uma forma patológica de luto e, com a passagem do tempo, pouco a pouco se desvanece. A investigação psicanalítica desses casos revelou os motivos secretos da perturbação. Descobrimos que, num certo sentido, essas auto-acusações objetivas são justificadas, e é esta a razão de constituírem prova contra contradições e protestos. Não é que a pessoa enlutada seja realmente responsável pela morte ou na realidade culpada de negligência, como as auto-acusações declaram ser o caso. Não obstante, havia algo nela – desejo que lhe era inconsciente – que não ficaria insatisfeito com a ocorrência da morte e que poderia realmente tê-la ocasionado, se tivesse poder para isso. E após a morte haver ocorrido, é contra esse desejo inconsciente que as censuras são uma reação. Em quase todos os casos em que existe uma intensa ligação emocional com uma pessoa em particular, descobrimos que por trás do terno amor há uma hostilidade oculta no inconsciente.” Freud.

segunda-feira, setembro 03, 2007


Retrato de uma família. Jordaens.

APAIXONADAMENTE. Charles Fonseca

APAIXONADAMENTE
Charles Fonseca

Quando a ti chegarem filhos
Como os que a outros vieram
Tão carentes ao desamparo
E tão fortes se fizeram
Que ancestrais os esperam
Que não os ponham em trilhos?

Que tu mostres antiquários
Daqueles que te foram novos
Campanários que bimbalhem
De alegria gozosos
Que na vida se afastem
Das chaves dos claviculários

Para não fecharem as portas
Das janelas tirem trancas
Que circulem como os ventos
Pelas margens das barrancas
Dos rios que cata-ventos
Girem que movam comportas

Daquelas que prendem as águas
Que alagam os ribeirinhos
Que afugentam os bichos
De pêlo os cordeirinhos
Que te amem sem ter nichos
Que prendam seus pais, sem mágoas.

domingo, setembro 02, 2007


O povo de Doverschie. Jongkind.

Monólogo da noite. Ribeiro Couto. Poesia

MONÓLOGO DA NOITE
Ribeiro Couto

Esta noite estou triste e não sei a razão.
Vou, para espairecer minha melancolia,
Ouvir o mar, que o mar é uma consolação.
Paro junto do cais olhando a água sombria.
Intermitente, sob o véu da cerração,
Vejo uma luz vermelha a acenar-me... "Confia!"
Obrigado, farol que és como um coração...


A água negra, noturna, a bater contra o cais,
Ilude a minha dor fútil de vagabundo.
E o farol a acenar de longe... "Espera mais!"
Recordo... "Antônio, que o paquete fosse ao fundo!"
Depois, fico a pensar nos que foram leais,
Nos que tiveram a coragem de ir do mundo
E numa noite assim se atiraram do cais.
Água eterna... água terrível... água imortal...
Apavora-me a sua aparência sombria.
Se eu pudesse acabar de uma vez o meu mal!

Mas tenho medo. "Não... A água está muito fria.
Além de fria é funda e tem gosto de sal."
E surpreendo-me, a chorar de covardia,
Dizendo ao vento esse monólogo banal.

sábado, setembro 01, 2007


Arte bizantina. Isidoro.
O fardo de reinar.
“O tabu não somente escolhe o rei e o exalta acima do comum dos mortais mas também torna a sua existência um tormento e um fardo insuportável, reduzindo-o a uma servidão muito pior que a de seus súditos. Aqui, então, temos uma contrapartida exata do ato obsessivo na neurose, no qual o impulso que o suprime encontram satisfação simultânea e comum. O ato obsessivo é ostensivamente uma proteção contra o ato proibido, mas, na realidade, a nosso ver, trata-se de uma repetição dele. A expressão ‘ostensivamente’ aplica-se à parte consciente da mente e ‘na realidade’ à parte inconsciente.” Freud.