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quinta-feira, agosto 30, 2007


Banho turco. Ingres.

CASAMENTO. Charles Fonseca

CASAMENTO
Charles Fonseca

Porque choras, oh poeta, em casamentos,
Mesmo se de estranhos for?
Serão sonhos do passado
Ou do futuro que não chegou?
Afinal, onde estará o teu amor?

quarta-feira, agosto 29, 2007


Isabela e o jarro. Hunt.
ENTRE O SAGRADO E O PROFANO Gustavo Dourado Prosagrado Saprofano Profaneio e Sacralizo Vou ao Dia do Juízo Com o Poeta de Feira Encontro Mulher Rendeira Parceira de Lampião Volto ao Afeganistão Vejo Alá em Tora Bora Talibã perdeu a hora Bin Laden se evaporou Valei-me Nossa Senhora Com tanta profanação Profanaram o coração Com a bomba americana Arafat comendo cana A igreja profanada Natividade sagrada Cercada pelo tirano O massacre de um povo Pelo ditador insano... O sagrado se explode com tanta contradição Valei-me Frei Damião Da Besta-Fera do Mal Que profana o sagrado Num sacrilégio imoral... O mundo precisa urgente acabar a tirania chega de barbaridade terror e hipocrisia Vamos dividir a renda Desprofanar a Poesia Acorda humanidade pra sagrada Nova Era Busharonte Besta-Fera Do Apokalixo Final Que nasça o sol surreal da primavera da paz Que o sagrado e o profano Sintetizem os Carnavais...

segunda-feira, agosto 27, 2007


Depois da tempestade. Winslow Homer.
SONETO DA FELICIDADE
Odylo Costa, filho

Não receies, amor, que nos divida
um dia a treva de outro mundo, pois
somos um só, que não se faz em dois
nem pode a morte o que não pode a vida.

A dor não foi em nós terra caída
que de repente afoga mas depois
cede à força das águas. Deus dispôs
que ela nos encharcasse indissolvida.

Molhamos nosso pão quotidiano
na vontade de Deus, aceita e clara,
que nos fazia para sempre num.

E de tal forma o próprio ser humano
mudou-se em nós que nada mais separa
o que era dois e hoje é apenas um.

sábado, agosto 25, 2007


Os embaixadores. Hans Holbein.
A desconfiança no pai. Freud.
“O modelo no qual os paranóicos baseiam seus delírios de perseguição é a relação de uma criança com o pai. A imagem que um filho faz do pai é habitualmente investida de poderes excessivos desta espécie e descobre-se que a desconfiança do pai está intimamente ligada à admiração por ele. Quando um paranóico transforma a figura de um de seus associados num “perseguidor”, está elevando-o à categoria de pai; está colocando-o numa posição em que possa culpá-lo por todos os seus infortúnios”. Freud.

sexta-feira, agosto 24, 2007


Café da manhã. Hogarth.
NO JARDIM DAS DELÍCIAS
Mário Q. Tomba

Oh tu que a mim manda flores
Que à distância espinhas
Acaso sabes que minhas
Rimas são-me só dores

Por não ver-te, estás tão longe,
Não cheirar-te os aromas
Não gozar-te nas alfombras
No jardim das delícias, onde?

quinta-feira, agosto 23, 2007


O beijo. Hayez.
UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO
(Trecho)
Manoel de Barros

I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras

IX
Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.
Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

quarta-feira, agosto 22, 2007


Retrato coletivo. Frans Hals.
Quando o amor é demais.
“A ocorrência de uma solicitude excessiva dessa espécie é muito comum nas neuroses e especialmente nas neuroses obsessivas, com as quais nossa comparação é principalmente traçada. Chegamos a compreender sua origem bastante claramente. Ela aparece onde quer que, além de um sentimento predominante de afeição, exista também uma corrente de hostilidade contrária, mas inconsciente – estado de coisas que representa um exemplo típico de uma atitude emocional ambivalente. A hostilidade é então feita calar no grito, por assim dizer, por uma intensificação excessiva da afeição, que se expressa em solicitude e se torna compulsiva, porque de outro modo seria inadequada para desempenhar a missão de manter sob repressão a corrente de sentimento contrária e inconsciente.” Freud.

segunda-feira, agosto 20, 2007

"O Violino de Ingres", Man Ray.. Fotografia


APELO. Charles Fonseca

APELO
Charles Fonseca.

Abracei-te efusivo,
Envolvi-te num abraço.
Saístes de modo esquivo
Pensando que era um laço.

A mim dissestes, ´mão boba´!
Sensível que sou, esteta.
Acho que tu não és tola,
Descompassastes o poeta.

Teu corpo é muito esbelto,
Longilíneo, violino.
Se tocado vibra certo.
Com jeito, dele sai hino.

Não sei se te recordas:
O maestro na orquestra
Dos instrumentos de cordas
Quem o toca, a mão aperta.

Deixa-me fazer vibrar
Qual vibra o diapasão,
Teu corpo em cordoalhas
Frementes nas minhas mãos!

Vênus e Marte com o Cupido e o Tempo. Guercino.
BUCCA ROSA
Manuel Martins Gaspar Tomé

A tua boca rosa
húmida e exótica
é um porto de sonho
onde meu corpo de navio
lança a âncora do desejo

A tua boca rosa
macia, quente, preciosa
carnuda de tanta loucura
solta no meu peito
um milhão de cavalos
em desenfreado galopar

A tua boca rosa
fofa, doce, langorosa
quando beija ou toca
dá-me calor
arrepios, frémitos
ânsias, tonturas
sentindo-me eu desfalecer
e sempre na tua boca rosa
outras tantas vezes renascer
A tua boca rosa...!

sábado, agosto 18, 2007


Grande canal. Francesco Guardi.
O ÚLTIMO NÚMERO
Augusto dos Anjos.

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idéia estertorava-se... No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o último número cansado.

Era de vê-lo, imóvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre do Increado:

Bradei: — Que fazes ainda no meu crânio?
E o último número, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: "É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogênica Grandeza
Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais! Morro contigo!"

sexta-feira, agosto 17, 2007


O filho castigado. Jean-Baptiste Greuze.
A sogra. Freud.

“A identificação simpática da mãe com a filha pode facilmente ir tão longe que ela própria se apaixone pelo homem que a filha ama e, em exemplos extremos, isto pode levar a formas graves de doença neurótica, como resultado das violentas lutas mentais contra esta situação emocional. De qualquer modo, acontece muito frequentemente uma sogra estar sujeita a um impulso para este tipo de paixão e este próprio impulso ou uma condição oposta são acrescidos ao tumulto das forças conflitantes em sua mente. E muitas vezes os compromissos cruéis e sádicos de seu amor são dirigidos para o genro, a fim de que os afetuosos e proibidos possam ser mais severamente proibidos.” Freud.

quinta-feira, agosto 16, 2007


O batismo de Cristo. El Greco.
PÁLIDA, À LUZ DA LÂMPADA SOMBRIA
Alvares de Azevedo

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
sobre o leito de flores reclinada,
como a lua por noite embalsamada,
entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens de alvorada,
que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

quarta-feira, agosto 15, 2007


O Duque de Wellington. Francisco Lucientes.
Psicologia e antropologia.
“Uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos, como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos povos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise, está destinada a mostrar numerosos pontos de concordância e lançará nova luz sobre fatos familiares às duas ciências.” Freud.

terça-feira, agosto 14, 2007


Painéis de São vicente de Fora. Nuno Gonçalves.
TINTO TANGO
Lilian Maial

O momento é rubro
Como o tinto
da boca carmim.

O sangue ferve
Como o vinho
que desce queimando
[em desejos]

O tango aquece
Como o calor
de lábios ávidos
de vinho
de beijos
de amor.

O tango gira
A cabeça quente
O vinho ferve
A boca rubra...

O peito explode
O pensamento alcança
O amor se jorra
na taça tinta
do teu olhar...
o vinho
o beijo
o tango...

O momento é carmim
A taça é de sangue
O vinho é loucura
O tango é desejo.
A boca rubra
A taça gira
O amor loucura
O vinho excita.

Bebo-te louca
beijo-te tinto
Sorvo-te tango
Amo-te boca
Vejo-me rubra.

domingo, agosto 12, 2007


As ilusões perdidas. Charles Gleyre.
PERFUME EXÓTICO
Charles Baudelaire

Quando, cerrando os olhos, numa noite ardente,
Respiro a fundo o odor dos teus seios fogosos,
Vejo abrirem-se ao longe litorais radiosos
Tingidos por um sol monótono e dolente.

Uma ilha preguiçosa que nos traz à mente
Estranhas árvores e frutos saborosos;
Homens de corpos nus, esguios, vigorosos,
Mulheres cujo olhar faísca à nossa frente.

Guiado por teu perfume a tais paisagens belas,
Vejo um porto a ondular de mastros e de velas
Talvez exaustos de afrontar os vagalhões,

Enquanto o verde aroma dos tamarineiros,
Que à beira-mar circula e inunda-me os pulmões,
Confunde-se em minha alma à voz dos marinheiros.

sábado, agosto 11, 2007


O sono de Edimião. Girodet.

ELE É POETA. Poesia. Autor desconhecido.

ELE É POETA
(autor desconhecido)

É noite. A chuva chora na calçada
como se fosse a mágoa recalcada
que subisse do peito dos humanos
e retumbasse em lágrimas na terra.

Minha mãe chora,
chora os desenganos de um filho
que é poeta e desgraçado.
“Meu Deus! Onde andará ele agora?
Erra pela cidade úmida e deserta,
como um boêmio despreocupado”.

E, recostada à janela aberta,
minha mãe espia a rua e espera:
“Hoje por certo virá mais cedo.
Faz tanto frio, sinto tanto medo...”
E, fatigada com uma dor no coração,
pensa em Deus e faz uma triste oração:
“Oh, Jesus, pastor divino,
tem misericórdia de mim, Senhor!
Traze o meu filho, o meu pobre filho
que erra pela cidade sem fim".

Um vulto! Talvez seja ele... mas... não, não é.
E já desponta cálido o sol.
Meus olhos fatigados de vigília não descansarão jamais.
Mas tenho fé. Amanhã eu lhe direi raivosa, assim:
“Você é a ovelha má desta família.
Não é mais meu!”
Mas... ai que vida de abrolhos!
Não posso dizer assim. Ele é tão bom, tão delicado,
que se eu disser em tom zangado,
encontrarei nele o mesmo sorriso de menino
e uma lágrima boiando-lhe nos olhos.
Coitado de meu filho, arte abjeta,
pobre do meu filho, ele é poeta!




sexta-feira, agosto 10, 2007


Venus adormecida. Giorgione.
DÁ A SURPRESA DE SER
Fernando Pessoa

Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro,
faz bem só pensar em ver
seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(se ela estivesse deitada)
dois montinhos que amanhecem
sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco
assenta em palmo espalhado
sobre a saliência do flanco
do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gnomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?

quinta-feira, agosto 09, 2007


Medeia e o Velo de Ouro, de H.J.Draper.
Medeia, Jasão e o Velo de Ouro, na volta da Colquida, para onde Jasão dirigiu a expedição dos Argonautas, com os 50 maiores heróis gregos, a fim de resgatar o Tosão de Ouro do carneiro encantado que tempos antes Mercúrio havia cavalgado em magnífico vôo, para salvar os príncipes Heles e Frixo da vingança de sua madrasta Ino. Heles caiu, exatamente sobre o ponto que no estreito de Bosforo separa o Mar Negro do Mediterrâneo, o Helesponto. Jasão, tempos depois, resgatou o velo do carneiro, com ajuda da princesa Medeia. O episodio foi eternizado no firmamento sob a constelação do Navio, hoje repartida em quatro, a Popa, a Quilha a Vela e a Bússola. (colaboração do poeta Ernane Gusmão)
BELEZA PURA
Caetano Veloso

Não me amarra dinheiro não
Mas formosura
Dinheiro não
A pele escura
Dinheiro não
A carne dura
Dinheiro não
Moça preta do curuzu
Beleza pura
Boca do Rio
Beleza pura
Dinheiro não
Quando essa preta começa
a tratar do cabelo
É de se olhar
Toda a trama da trança
a transa do cabelo
Conchas do mar
Ela manda buscar pra botar
no cabelo
É de se olhar
Toda a trama da trança
a transa do cabelo
Conchas do mar
Ela manda buscar pra
botar no cabelo
Toda minúcia
Toda delícia
Não me amarra dinheiro não
Mas elegância
Não me amarra dinheiro não
Mas a cultura
Dinheiro não
A pele escura
Dinheiro não
A carne dura
Dinheiro não
Moço lindo do Badauê
Beleza pura
Do Iê Aiyê
Beleza pura
Dinheiro yeah
Beleza pura
Dinheiro não
Dentro daquele turbante
do Filho de Ghandi
É o que há
Tudo é chique demais, tudo
é muito elegante
Manda botar
Fina palha da costa e que
tudo se trace
Todos os búzios
Todos os ócios
Não me amarra dinheiro não,
mas os mistérios

quarta-feira, agosto 08, 2007

terça-feira, agosto 07, 2007


Os beijos de Judas. Giotto.
CONTRASTE
Antonio Tomaz

Quando partimos, no verdor dos anos,
da vida pela estrada florescente,
as esperanças vão conosco à frente,
e vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, céleres e ufanos,
vamos marchando descuidosamente...
Eis que chega a velhice, de repente,
desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos, claramente,
como a existência é rápida e falaz,
e vemos que sucede exatamente

o contrário dos tempos de rapaz:
- Os desenganos vão conosco à frente
e as esperanças vão ficando atrás.

A Tormenta. Giorgione.

NOSTALGIAS

José Dias Egipto

Perguntas-me pelas nossas árvores,
pelos soutos, pelas alamedas
que atravessávamos no Outubro
quando a geometria das cores da natureza
desenhavam tapetes afogueados
que se abriam em folhas abrasadas e macias
que pisávamos num restolhar de espumas,
colorindo os nossos gestos e carinhos
naquele amor que nos cheiros da terra se consome,
fazendo-nos jovens ébrios do Outono
plasmados nos muros e nos caminhos...

Perguntas-me pelas praças da nossa cidade,
pelas pedras irmãs das calçadas e ladeiras
que soletramos, uma a uma, vezes sem conta,
nos dias claros, tangíveis de palavras límpidas,
como a água que salpicava das fontes,
que foram nossas cúmplices em lutas
por sonhos nunca realizados,
em gritos suados e êxtases passageiros,
que lhes davam o sentido único e inteiro
de serem efectivamente praças
para que nós fossemos integralmente verdadeiros. ..

Perguntas-me pelo mar da nossa mocidade,
pela aragem fria que esculpia o nosso rosto,
pelas mãos que se davam em passeios
assinalados na areia antes da espuma,
do cheiro forte a peixe e a sargaço
que selava para sempre aquele abraço
que fervia pelos poros nas vazantes
deixando escorrer o sal de cada dia
numa espera constante de um barco
que nos levasse a marear, apenas pela vontade de partir
em busca das terras prenhes da nossa fantasia...

Perguntas-me pela alma do Homem
que vimos vibrar em tantas circunstâncias
que parecia emergir à nossa frente,
depois de tanto e longo sofrimento,
para um futuro que se queria perto e radiante
de forma absoluta, quiçá definitivamente,
onde todos pudessem ser pássaros e veleiros
porque o vento da história estava domado
e tínhamos conquistado as asas e as velas suficientes
para o gozar, saborear, saber guiar
e transformar o tempo inteiro...

Perguntas-me tanta coisa, meu amor,
com tanta doçura e veemência,
com olhos rasos do sal que enaltecemos,
que eu, pronto a suster tanto pavor,
te direi varrendo de vez a nostalgia
que para todas as perguntas
há sempre uma resposta
e que não são os olhos que te cegam a visão,
são os velhos medos do Restelo
que te ensombram neste dia,
pois a amarra dos teus sonhos não se romperá
agora na velhice,
a tua barca terá o porto que a espere
e que de novo te seduza,
juro,
porque eu serei barqueiro nesse Letes derradeiro
e veremos os panos do passado, avivados,
nas velas do futuro...

domingo, agosto 05, 2007


A visitação. Domenico Ghirlandaio.
A LÍNGUA LAMBE
Carlos Drummonf de Andrade

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos

sábado, agosto 04, 2007


Frinéia ante o Areopago. Jean-Léon Gérôme.

Vestígios do passado.

“O que alguém crê lembrar da infância não pode ser considerado com indiferença; como regra geral, os restos de recordações – que ele próprio não compreende – encobrem valiosos testemunhos dos traços mais importantes de seu desenvolvimento mental.” Freud.

quinta-feira, agosto 02, 2007

quarta-feira, agosto 01, 2007


O sacrifício de Isac. Orazio Gentileschi.
TESTAMENTO
Alda Lara

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,

Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...