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sábado, março 31, 2007

ÁRVORE DA VIDA. Charles Fonseca. Poesia

ÁRVORE DA VIDA
Charles Fonseca

Dura lhe tem sido a vida, agreste.
Finca suas raízes no chão duro.
Dele traz em seiva ao futuro
Copas superpostas pro celeste.

O caule se o vês já carcomido
Assim está por muito ter vivido.
Forte ele é, sob ele há vida.
Dele, em volta, a sombra te abriga.

sexta-feira, março 30, 2007

Lembranças encobridoras. Freud. Psicanálise

“Há entre nós um dito corrente sobre as falsificações, no sentido de que, em si mesmas, elas não são feitas de ouro, mas estiveram perto de algo realmente feito de ouro. É bem possível aplicar essa mesma comparação a algumas experiências infantis retidas na memória.” Freud.

quinta-feira, março 29, 2007

Jacopo Amigoni, Júpiter e Calisto, c. 1740-1750.

OLHARES. Charles Fonseca

OLHARES
Charles Fonseca

Se não me podes amar
Deixa então que sem demora
Fuja eu da prisão, senhora,
Do teu olhar verde mar.

Quero estar noutros espaços
Singrar até mar bravio
Cujas ondas tenham traços
De céus, de olhos de anil.

Ou, quem sabe, olhos castanhos
Olharão este vate errante
D'onde brotam entre versos,
Ternuras de um peito amante.

Que olhos negros até
Acompanhem os meus passos,
Contanto que clareiem
Deste vate os olhos baços.

quarta-feira, março 28, 2007

Visita de Alexandre, o Grande, ao atelier de Apeles. Giovanni Battista Tiepolo.

Limitações da psicanálise.

“A terapia psicanalítica não é, no momento, aplicável a todos os casos. Tem, a meu ver, as seguintes limitações. Requer certo grau de maturidade e compreensão dos pacientes, e portanto não é adequada para os jovens ou adultos com debilidade mental ou sem instrução. Fracassa também com as pessoas muito idosas porque, devido ao acúmulo de material nelas, o tratamento tomaria tanto tempo que, ao terminar, elas teriam chegado a um período da vida em que não se dá valor à saúde nervosa. Finalmente, o tratamento só é possível quando o paciente tem um estado psíquico normal a partir do qual o material patológico pode ser controlado.” Freud.

terça-feira, março 27, 2007

O Vitelo. Tomás José D'Anunciação

O MAR E O CANAVIAL
João Cabral de Melo Neto

O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.

O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.

O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minuciosio, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.

O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.

segunda-feira, março 26, 2007

Sofonisba Anguissola, Auto-retrato, c. 1554.

A origem da angústia.

“Mas quando há fundamentos para considerar uma neurose [de angústia] como adquirida , uma cuidadosa investigação orientada nesse sentido revela que um conjunto de perturbações e influências da vida sexual são os fatores etiológicos atuantes. Estes, à primeira vista, parecem de natureza variada, mas logo revelamo caráter comum que explica por que têm um efeito similar no sistema nervoso. ... Essa etiologia sexual da neurose de angústia pode ser demonstrada com tão esmagadora frequência que me arrisco, no âmbito desse pequeno artigo, a desconsiderar os casos em que a etiologia é duvidosa ou diferente.” Freud.

Anunciação. Fra Angelico.

CANÇÃO DO EXÍLIO
Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que volte para lá;

Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

sábado, março 24, 2007

Abaporu. Tarsila do Amaral.

A fuga para a psicose. Freud. Psicanálise

“O fato para o qual desejo agora chamar a atenção é que o conteúdo de uma psicose alucinatória desse tipo consiste precisamente na acentuação da representação que era ameaçada pela causa precipitante do desenvolvimento da doença. Portanto, é justificável dizer que o eu rechaçou a representação incompatível através de uma fuga para a psicose. O processo pelo qual isso é conseguido escapa, mais uma vez, à autopercepção do sujeito, assim como escapa à análise psicológico-clínica. Deve ser encarado como uma expressão de uma predisposição patológica de grau bastante alto e pode ser descrito como mais ou menos se segue. O eu rompe com a representação incompatível, esta, porém, fica inseparavelmente ligada a um fragmento de realidade, de modo que, à medida que o eu obtém esse resultado, também se desliga, total e parcialmente, da realidade.” Freud.

sexta-feira, março 23, 2007

Crucificação. Albrecht Altdorfer.

Desejo. Victor Hugo. Prosa

DESEJO
Victor Hugo

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer,
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso contínuo é insano.
Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

quinta-feira, março 22, 2007

Monumento ao Papa Leão XI. Alessandro Algardi.

A confusão alucinatória. Freud.

“Em ambos os casos até aqui considerados, a defesa contra a representação incompatível foi efetuada separando-a de seu afeto; a representação em si permaneceu na consciência, ainda que enfraquecida e isolada. Há, entretanto, uma espécie de defesa muito mais poderosa e bem-sucedida. Nela, o eu rejeita a representação incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a representação jamais lhe tivesse ocorrido. Mas a partir de um momento em que isso é conseguido, o sujeito fica numa psicose que só pode ser qualificada como “confusão alucinatória”. .Freud.

terça-feira, março 20, 2007

A esperança. Augusto dos Anjos. Poesia

A ESPERANÇA
Augusto dos Anjos

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

A transposição do afeto. Freud

“O eu leva muito menos vantagem escolhendo a transposição do afeto como método de defesa do que escolhendo a conversão histérica da excitação psíquica em inervação somática. O afeto de que o eu sofre permanece como antes, inalterado e não diminuído, com a única diferença de que a representação incompatível é abafada e isolada da memória. As representações recalcadas, como no outro caso, formam o núcleo de um segundo grupo psíquico, que, acredito é acessível mesmo sem a ajuda da hipnose. Se as fobias e obsessões são desacompanhadas dos notáveis sintomas que caracterizam a formação de um grupo psíquico independente na histeria, isto é sem dúvida porque, em seu caso, toda alteração permaneceu na esfera psíquica e a inervação somática não sofreu qualquer mudança.” Freud.

domingo, março 18, 2007

O convescote. Edouard Manet.

A volta da mulher morena. Vinicius de Moraes. Poesia

A VOLTA DA MULHER MORENA
Vinicius de Moraes

Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!

Arlequin. Cezzane.

A origem da obsessão e da fobia.

“Quando alguém com predisposição [à neurose] carece da aptidão para a conversão, mas, ainda assim, parece rechaçar uma representação incompatível, dispõe-se a separá-la de seu afeto, esse afeto fica obrigado a permanecer na esfera psíquica. A representação, agora enfraquecida, persiste ainda na consciência, separada de qualquer associação. Mas seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa “falsa ligação”, tais representações se transformam em representações obsessivas. Essa é, em poucas palavras, a teoria psicológica das obsessões e fobias, mencionada no início deste artigo.” Freud.

sábado, março 17, 2007

Moça com brinco de pérola. Johannes Vermeer.

ALÉM,MUITO ALÉM. Charles Fonseca. Poesia

ALÉM, MUITO ALÉM.
Charles Fonseca

Meu destino é amar-te além do mar
Das procelas qual náufrago que a terra avista
E nega a morte e a terra conquista,
Que jamais se entrega, és tu meu norte fanal.

Meu destino é amar-te além do horizonte
Que a vista alcança, do além do mundo,
Das estrelas, do universo profundo,
Além da esperança, beijo-te a fronte.

sexta-feira, março 16, 2007

Apaga-me os olhos. Rainer Marie Rilke. Poesia

Apaga-me os olhos, ainda posso ver-te.
Tranca-me os ouvidos, ainda posso ouvir-te,
e sem pés posso ainda ir para ti,
e sem boca posso ainda invocar-te.
Quebra-me os ossos, e posso apertar-te
com o coração como com a mão,
tapa-me o coração, e o cérebro baterá,
e se me deitares fogo ao cérebro,
hei-de continuar a trazer-te no sangue.

quinta-feira, março 15, 2007

Davi. Michelangelo.

O recalcado.

“Se nos ativermos à nossa conclusão de que deve existir um processo psíquico correspondente, e se, ainda assim, acreditarmos no paciente quando ele o nega; se reunirmos as múltiplas indicações de que o paciente se comporta como se de fato soubesse disso; e se penetrarmos na história da vida do paciente e descobrirmos alguma ocasião, algum trauma, que pudesse evocar de maneira adequada exatamente aquelas expressões de sentimento – então tudo apontará para uma solução: a paciente se acha num estado de ânimo especial em que todas as suas impressões, ou suas lembranças das mesmas, não mais se mantêm reunidas numa cadeia associativa, um estado de ânimo em que é possível a uma lembrança expressar seu afeto através de fenômenos somáticos, sem que o grupo dos outros processos mentais, o eu, tome conhecimento disso ou possa interferir para evitá-lo.” Freud.

terça-feira, março 13, 2007

HERDADE
Charles Fonseca

Há um amor a ser curtido
Um ódio a ser curado
Num amante ser amado
Por amado a ser remido

Por soluço a ser chorado
Por beijo quem sabe tido
De alguém já tão sofrido
Deste alguém lá do passado

Que é terno como eu vivo
A morrer só de saudade
A deixar-lhe por herdade
Este amor que há comigo.

segunda-feira, março 12, 2007

A cura pela fala.

“Pois é bom reconhecer uma coisa com clareza: o paciente só se livra do sintoma histérico ao reproduzir as impressões patogênicas que o causaram e ao verbalizá-las com uma expressão de afeto; e assim a tarefa terapêutica consiste unicamente em induzi-lo a agir dessa maneira: uma vez realizada essa tarefa, nada resta ao médico para corrigir ou eliminar.” Freud.

domingo, março 11, 2007

MAL SECRETO
Raimundo Correa

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja aventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

Vincent van Gogh pinta girassóis. Paul Gauguin.

NAS ORIGENS. Freud

“Em primeiro lugar, devemos refletir que a resistência psíquica, em especial uma que esteja em vigor há muito tempo, só pode ser dissipada com lentidão, passo a passo, e devemos esperar com paciência. Em segundo lugar, podemos contar com o interesse intelectual que o paciente começa a sentir após trabalhar por um curto espaço de tempo. Explicando-lhe as coisas, dando-lhe informações sobre o mundo maravilhoso dos processos psíquicos que nós mesmos só começamos a discernir através dessas análises, nós o transformamos num colaborador, induzimo-lo a encarar a si mesmo com o interesse objetivo de um pesquisador e assim afastamos sua resistência, que repousa, de fato, numa base afetiva. Mas por último – e essa continua a ser a alavanca mais poderosa – devemos nos esforçar, depois de descobrirmos os motivos de sua defesa, por despojá-los de seu valor ou mesmo substituí-los por outros mais poderosos. É aqui, sem dúvida, que deixa de ser possível enunciar a atividade psicoterapêutica em fórmulas.” Freud.

sexta-feira, março 09, 2007

A Maja despida. Francisco Goya

POEMA PARA TODAS AS MULHERES
Vinicius de Moraes

No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não!
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.
Ai! teus cabelos recendem à flor da murta
Melhor seria morrer ou ver-te morta
E nunca, nunca poder te tocar!
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...
Correi, correi, ó lágrimas saudosas
Afogai-me, tirai-me deste tempo
Levai-me para o campo das estrelas
Entregai-me depressa à lua cheia
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me o [cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa Senhora!

quinta-feira, março 08, 2007

“Com efeito, a impressionabilidade dos pacientes histéricos é determinada, em grande parte, simplesmente por sua excitabilidade inata; mas os afetos nítidos em que eles são lançados por causas relativamente triviais ficam mais inteligíveis ao considerarmos que ‘a parte dividida da mente’ reage como uma caixa de ressonância à nota de um diapasão. Qualquer acontecimento que provoque lembranças inconscientes libera toda a força afetiva dessas representações que não sofreram desgaste, e o afeto evocado fica então inteiramente desproporcional a qualquer um que surgisse apenas na mente consciente”. Breuer.

Divã de Freud

Profundamente. Manuel Bandeira

PROFUNDAMENTE
Manuel Bandeira

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.


No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes


Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?


— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.


*


Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci


Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?


— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

quarta-feira, março 07, 2007

A mente dividida. Breuer

“Devemos aceitar como um fato que, nos pacientes histéricos, parte de sua atividade psíquica é inacessível à percepção pela autoconsciência do indivíduo desperto e que a mente deles é assim dividida.”
“Em nossos casos, a parte dividida da mente é ‘lançada nas trevas’, como os Titãs aprisonados na cretera do Etna, que podem abalar a terra, mas jamais emergirem à luz do dia.” Breuer.

terça-feira, março 06, 2007

Fresco de Giotto, A Lamentação, c. 1305, Itália.

Presa do ódio. Cruz e Sousa. Poesia

PRESA DO ÓDIO
João da Cruz e Sousa

Da tu'alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.

Do desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.

Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu'alma abalou de lado a lado.

Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!

segunda-feira, março 05, 2007

O inaudito. Breuer. Psicanálise

“Na verdade, podemos muito bem acreditar que mesmo quando a pessoa sadia tem uma grande preocupação em sua mente, esta se faz presente o tempo todo, uma vez que tal preocupação domina a expressão facial mesmo quando a consciência está repleta de outros pensamentos. Mas a parcela da atividade psíquica que é isolada nas pessoas histéricas, e na qual costumamos pensar como estando repleta de representações inconscientes, encerra, em geral, uma dose tão pequena destas e é tão inacessível ao intercâmbio com as expressões externas que é fácil acreditar que uma representação única possa estar permanentemente ativa na mente.” Breuer.

domingo, março 04, 2007

SÓ QUANDO O POETA DORME. Charles Fonseca. Poesia

SÓ QUANDO O POETA DORME
Charles Fonseca

Quando o poeta dorme,
Acordam restos diurnos
Em sonhos, um tanto confusos,
Desejos pequenos enormes.

Quando o poeta dorme
Dorme também sua fome.
Mordem desejos de homem,
Pede que a amada acorde.

Quando o poeta acorda
Todo o sonho está desfeito.
Em cinzas, pós fogo do leito,
O cobrem. Fecham-se portas.

sábado, março 03, 2007

O subconsciente em Breuer. Psicanálise.

“Inversamente, essas representações subconscientes não podem ser influenciadas ou corrigidas pelo pensamento consciente. Com muita freqüência elas se referem a experiências que, entrementes, perderam seu significado – o pavor de fatos que não ocorreram, o susto que se transformou em riso ou alegria após um salvamento. Tais desenvolvimentos subseqüentes privam a memória de todo o seu afeto no que tange à consciência, mas deixam inteiramente intacta a representação subconsciente que provoca fenômenos somáticos.” Breuer.

sexta-feira, março 02, 2007

Aceitarás o meu amor como eu encaro? Mário de Andrade. Poesia

Aceitarás o meu amor como eu encaro?
Mário de Andrade

Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
...Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.