CANÇÃO DA JANELA ABERTA
Mário Quintana
Passa nuvem, passa estrela,
Passa a lua na janela...
Sem mais cuidados na terra,
Preguei meus olhos no Céu.
E o meu quarto, pela noite
Imensa e triste, navega...
Deito-me ao fundo do barco,
Sob os silêncios do Céu.
Adeus, Cidade Maldita,
Que lá se vai o teu Poeta.
Adeus para sempre, Amigos...
Vou sepultar-me no Céu!
domingo, dezembro 31, 2006
Canção da janela aberta. Mário Quintana
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Poesia
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sábado, dezembro 23, 2006
O operário em construção. Vinícius de Moraes. Poesia
O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
Vinícius de Moraes
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do
sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse:
Não!E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
Vinícius de Moraes
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do
sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse:
Não!E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
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terça-feira, dezembro 19, 2006
Cálice. Chico Buarque. Poesia
CÁLICE
Chico Buarque
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguem me esqueça
Chico Buarque
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguem me esqueça
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segunda-feira, dezembro 18, 2006
O vinho do assassino. Charles Baudelaire. Poesia
O VINHO DO ASSASSINO
Charles Baudelaire
Livre! Minha mulher é morta!
Bebo o que o cálice contém.
Quando eu voltava sem vintém,
Gritava só de ver-me à porta.
Tenho de um rei todo o esplendor;
O ar é puro, o céu admirável...
Tínhamos verão tão amável
Quando eu caí morto de amor!
A sede atroz que me faz louco
Quem a pudera amortecer?
Só o vinho que pode caber
Na sua tumba e não é pouco;
E joguei-a de um poço ao fundo,
Joguei mesmo em seguida a corda
Como os calhaus de sua borda.
- Há de esquecer-se dela o mundo!
Por nossas juras de alegria,
(E não juramos nunca em vão!)
Para nossa conciliação
Como aos tempos de nossa orgia,
Implorei dela uma entrevista
À tarde numa estrada escura,
E veio a aluada criatura!
(Todo o mundo é louco ou artista).
Ainda ela era a mais garrida,
Embora bem fatigada! E
Eu ainda a amava; eis por que
Lhe disse: parte desta vida!
Quem me compreenderá? Um somente,
Do mundo da embriagues, mesquinho,
Pensará, nas noites de doente,
Fazer um sudário do vinho?
Este crápula tão traiçoeiro
Mas do que as máquinas do inferno,
Jamais, em verão ou inverno,
Conheceu o amor verdadeiro,
Com os seus negros alvoroços,
Seu cortejo infernal de espantos,
Seus frascos de veneno e os prantos
De seus ruídos de cadeia e de ossos!
Eis-me liberto e satisfeito!
Irei beber muito esta tarde;
Depois, sem medo e sem alrde,
Farei deste solo o meu leito,
E dormirei bem como um cão!
Um carro de rodas pesadas
Cheio de pedras das calçadas
Um enraivecido vagão,
Partir-me-ão a fronte que odeia
- Um prêmio dos delitos meu -
Mas zombo de tudo, de Deus,
De Satanás, da Santa Ceia!
Charles Baudelaire
Livre! Minha mulher é morta!
Bebo o que o cálice contém.
Quando eu voltava sem vintém,
Gritava só de ver-me à porta.
Tenho de um rei todo o esplendor;
O ar é puro, o céu admirável...
Tínhamos verão tão amável
Quando eu caí morto de amor!
A sede atroz que me faz louco
Quem a pudera amortecer?
Só o vinho que pode caber
Na sua tumba e não é pouco;
E joguei-a de um poço ao fundo,
Joguei mesmo em seguida a corda
Como os calhaus de sua borda.
- Há de esquecer-se dela o mundo!
Por nossas juras de alegria,
(E não juramos nunca em vão!)
Para nossa conciliação
Como aos tempos de nossa orgia,
Implorei dela uma entrevista
À tarde numa estrada escura,
E veio a aluada criatura!
(Todo o mundo é louco ou artista).
Ainda ela era a mais garrida,
Embora bem fatigada! E
Eu ainda a amava; eis por que
Lhe disse: parte desta vida!
Quem me compreenderá? Um somente,
Do mundo da embriagues, mesquinho,
Pensará, nas noites de doente,
Fazer um sudário do vinho?
Este crápula tão traiçoeiro
Mas do que as máquinas do inferno,
Jamais, em verão ou inverno,
Conheceu o amor verdadeiro,
Com os seus negros alvoroços,
Seu cortejo infernal de espantos,
Seus frascos de veneno e os prantos
De seus ruídos de cadeia e de ossos!
Eis-me liberto e satisfeito!
Irei beber muito esta tarde;
Depois, sem medo e sem alrde,
Farei deste solo o meu leito,
E dormirei bem como um cão!
Um carro de rodas pesadas
Cheio de pedras das calçadas
Um enraivecido vagão,
Partir-me-ão a fronte que odeia
- Um prêmio dos delitos meu -
Mas zombo de tudo, de Deus,
De Satanás, da Santa Ceia!
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domingo, dezembro 17, 2006
Traduzir-se. Ferreira Gullar. Poesia
TRADUZIR-SE
Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
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sábado, dezembro 16, 2006
Lua branca. Chiquinha Gonzaga. Poesia
LUA BRANCA
Chiquinha Gonzaga
Ó! lua branca de fulgores e de encanto,
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus, o pranto
Ai vem matar essa paixão que anda comigo.
Ai! Por quem és, desce do céu, ó ! lua branca
Essa amargura do meu peito, ó! vem, arranca
Dá-me o luar de tua compaixão
Ó! vem, por Deus, iluminar meu coração.
E quantas vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em noite calma e constelada,
Em tua luz então me surpreendias
Ajoelhado junto aos pés da minha amada
Ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo
Vinha em seus lábios me ofertar, um doce beijo...
Ela partiu, me abandonou assim...
Ó! lua branca, por quem és, ...tem dó de mim!...
Chiquinha Gonzaga
Ó! lua branca de fulgores e de encanto,
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus, o pranto
Ai vem matar essa paixão que anda comigo.
Ai! Por quem és, desce do céu, ó ! lua branca
Essa amargura do meu peito, ó! vem, arranca
Dá-me o luar de tua compaixão
Ó! vem, por Deus, iluminar meu coração.
E quantas vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em noite calma e constelada,
Em tua luz então me surpreendias
Ajoelhado junto aos pés da minha amada
Ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo
Vinha em seus lábios me ofertar, um doce beijo...
Ela partiu, me abandonou assim...
Ó! lua branca, por quem és, ...tem dó de mim!...
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A quadrilha. Carlos Drummond de Andrade. Poesia
A QUADRILHA
Carlos Drumond de Andrade
João amava Tereza que amava Raimundo
Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos,
Tereza para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia Joaquim suicidou-se
E Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que até então não tinha entrado na história.
Carlos Drumond de Andrade
João amava Tereza que amava Raimundo
Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos,
Tereza para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia Joaquim suicidou-se
E Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que até então não tinha entrado na história.
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Carlos Drummon de Andrade,
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sexta-feira, dezembro 15, 2006
De tanto pensar me veio a ilusão. Hilda Hilst. Poesia
DE TANTO PENSAR, ME VEIO A ILUSÃO
Hilda Hilst
De tanto te pensar, me veio a ilusão.
A mesma ilusão
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.
De te sonhar, tenho nada,
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cismos.
De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
De muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que
Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n'água.
Hilda Hilst
De tanto te pensar, me veio a ilusão.
A mesma ilusão
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.
De te sonhar, tenho nada,
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cismos.
De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
De muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que
Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n'água.
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Hilda Hilst,
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quarta-feira, dezembro 13, 2006
O mais que perfeito. Vinicius de Moraes. Poesia
O MAIS-QUE-PERFEITO
Vinícius de Moaes
Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum embora...)
Ah, quem me dera ir-me!!
Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais : cuidado...
Ah, quem me dera ver-te
Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
morar-te até morrer-te...
Vinícius de Moaes
Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum embora...)
Ah, quem me dera ir-me!!
Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais : cuidado...
Ah, quem me dera ver-te
Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
morar-te até morrer-te...
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Vinicius de Moraes
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terça-feira, dezembro 12, 2006
SONHOS. Charles Fonseca. Poesia
SONHOS
Charles Fonseca
O mar nas ondas batia
Tu no meu colo eu ninava
Não ao balanço da vaga
Ao da aragem dormias.
Hoje ao ronco das ondas
Da vida cheia procelas
Acordo à noite por elas
Sem ti nas noites tão longas.
Se me falas a agonia
De mim se afasta em recesso
Dias me voltam pregressos
Quando em meu colo dormias.
Charles Fonseca
O mar nas ondas batia
Tu no meu colo eu ninava
Não ao balanço da vaga
Ao da aragem dormias.
Hoje ao ronco das ondas
Da vida cheia procelas
Acordo à noite por elas
Sem ti nas noites tão longas.
Se me falas a agonia
De mim se afasta em recesso
Dias me voltam pregressos
Quando em meu colo dormias.
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.....Poesia,
.....SONHOS
Escreva para o meu e-mail: silvafonseca@gmail.com
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Não posso dizer-te adeus. Ernane Gusmão. Poesia
NAO POSSO DIZER-TE ADEUS
Ernane Gusmão
Nao quero mais ver-te em minha vida,
vai logo embora, some de uma vez.
Minha'lma em chagas e uma só ferida
que o teu veneno traicoeiro fez.
No meu semblante carregado lês
a dor acerba que a tua mente olvida
e se não partes, vou partir, querida,
e para sempre vou sumir... talvez!....
Resmungo tanto, mas não vais embora,
nem eu tampouco vou partir agora
deixando a graça dos encantos teus.
Imploras tanta caridade a mim...
e se consigo te esconder um sim...
me faltam forças pra dizer-te adeus!...
Ernane Gusmão
Nao quero mais ver-te em minha vida,
vai logo embora, some de uma vez.
Minha'lma em chagas e uma só ferida
que o teu veneno traicoeiro fez.
No meu semblante carregado lês
a dor acerba que a tua mente olvida
e se não partes, vou partir, querida,
e para sempre vou sumir... talvez!....
Resmungo tanto, mas não vais embora,
nem eu tampouco vou partir agora
deixando a graça dos encantos teus.
Imploras tanta caridade a mim...
e se consigo te esconder um sim...
me faltam forças pra dizer-te adeus!...
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sábado, dezembro 09, 2006
Ódio sagrado. Cruz e Souza. Poesia
ÓDIO SAGRADO
João da Cruz e Sousa
Ó meu ódio, meu ódio majestoso,
Meu ódio santo e puro e benfazejo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.
Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem Bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.
Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
Da minh'alma agitado no infinito,
Através de outros lábaros sagrados.
Ódio são, ódio bom! sê meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais Pecados!
João da Cruz e Sousa
Ó meu ódio, meu ódio majestoso,
Meu ódio santo e puro e benfazejo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.
Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem Bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.
Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
Da minh'alma agitado no infinito,
Através de outros lábaros sagrados.
Ódio são, ódio bom! sê meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais Pecados!
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sexta-feira, dezembro 08, 2006
Herança. Cecília Meireles. Prosa
HERANÇA
Cecília Meireles
Eu vim de infinitos caminhos,
e os meus sonhos choveram lúcido pranto
pelo chão.
Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos,
essa vida, que era tão viva, tão fecunda,
porque vinha de um coração?
E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos,
do pranto que caiu dos meus olhos passados,
que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão?
Cecília Meireles
Eu vim de infinitos caminhos,
e os meus sonhos choveram lúcido pranto
pelo chão.
Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos,
essa vida, que era tão viva, tão fecunda,
porque vinha de um coração?
E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos,
do pranto que caiu dos meus olhos passados,
que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão?
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quinta-feira, dezembro 07, 2006
Contrastes. Augusto dos Anjos. Poesia
CONTRASTES
Augusto dos Anjos
A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!
O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!
Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,
As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!...
Augusto dos Anjos
A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!
O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!
Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,
As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!...
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quarta-feira, dezembro 06, 2006
O BOI. Charles Fonseca. Poesia
O BOI
Charles Fonseca
Não mói mais foi-se a cana
Após um tapa na cara
Na alma golpe a vara
O boi da moenda se cansa
De ser apenas bonzinho
Fazer pra outros garapa
Mover a cana à cachaça
Cansou de ser o boizinho.
Agora não mais ao moinho
Não à moenda escravo
Não ao açúcar mascavo
Só, nem muge o boizinho.
Charles Fonseca
Não mói mais foi-se a cana
Após um tapa na cara
Na alma golpe a vara
O boi da moenda se cansa
De ser apenas bonzinho
Fazer pra outros garapa
Mover a cana à cachaça
Cansou de ser o boizinho.
Agora não mais ao moinho
Não à moenda escravo
Não ao açúcar mascavo
Só, nem muge o boizinho.
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terça-feira, dezembro 05, 2006
A confissão. Miguel Reale. Poesia
CONFISSÃO
Miguel Reale
Nunca fui homem de uma nota só
embrenhado num único problema
esmiuçando-o com minúcia e teima
até chegar a reduzi-lo a pó.
Disperso como o povo brasileiro
amo a integralidade dos assuntos,
o horizonte tomado em seu conjunto
e não um caso em si ou corriqueiro.
Quando é voga perder-se em pormenores
parecerá um mal essa tendência
a realçar os máximos valores,
mas me prefiro assim, enamorado
do sentido mais alto da existência,
iludido de ser um ser alado
Miguel Reale
Nunca fui homem de uma nota só
embrenhado num único problema
esmiuçando-o com minúcia e teima
até chegar a reduzi-lo a pó.
Disperso como o povo brasileiro
amo a integralidade dos assuntos,
o horizonte tomado em seu conjunto
e não um caso em si ou corriqueiro.
Quando é voga perder-se em pormenores
parecerá um mal essa tendência
a realçar os máximos valores,
mas me prefiro assim, enamorado
do sentido mais alto da existência,
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Vós que ouvistes em rimas esparsas. Petrarca
VÓS QUE OUVISTES EM RIMAS ESPARSA O SONHO
Petrarca
Vós que ouvistes em rimas esparsas o sonho,
Nos meus juvenis e suspirosos dias,
Com que eu nutria outrora o coração
Quando aquele que eu fui tinha alguma ilusão;
Se conheceis do amor a reflexão
Entre fugidias esperanças e o pranto em vão,
Piedade espero achar, mais que perdão,
Para as dores das minhas fantasias.
Agora vejo bem que longamente
Em mim falou-se, e ria muita gente,
E de mim mesmo, às vezes, me envergonho.
E amargo fruto que colhi sonhando,
Já sei - me arrependendo e envergonhando-
Que a sedução da vida é breve sonho.
Petrarca
Vós que ouvistes em rimas esparsas o sonho,
Nos meus juvenis e suspirosos dias,
Com que eu nutria outrora o coração
Quando aquele que eu fui tinha alguma ilusão;
Se conheceis do amor a reflexão
Entre fugidias esperanças e o pranto em vão,
Piedade espero achar, mais que perdão,
Para as dores das minhas fantasias.
Agora vejo bem que longamente
Em mim falou-se, e ria muita gente,
E de mim mesmo, às vezes, me envergonho.
E amargo fruto que colhi sonhando,
Já sei - me arrependendo e envergonhando-
Que a sedução da vida é breve sonho.
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sábado, dezembro 02, 2006
A PARTIDA. Charles Fonseca. Poesia
A PARTIDA
Charles Fonseca
Eu ao pé da cama
Ele da cabeceira
Olha vez derradeira
Pra mim a mão levanta.
Nada diz só olha
Antes que a noite
Lhe chegue e açoite
Luz que vai embora.
A sós eu e ele
É meu pai que parte
Perdeu o combate
Vai pra sempre a Ele
Eu ali tão só
Ele ali tão indo
De mim foi sorrindo
Dar o corpo ao pó.
Charles Fonseca
Eu ao pé da cama
Ele da cabeceira
Olha vez derradeira
Pra mim a mão levanta.
Nada diz só olha
Antes que a noite
Lhe chegue e açoite
Luz que vai embora.
A sós eu e ele
É meu pai que parte
Perdeu o combate
Vai pra sempre a Ele
Eu ali tão só
Ele ali tão indo
De mim foi sorrindo
Dar o corpo ao pó.
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sexta-feira, dezembro 01, 2006
Amor e medo. Casimiro de Abreu. Poesia
AMOR E MEDO
Casimiro de Abreu
Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
"Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?
A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!
Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...
Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
Casimiro de Abreu
Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
"Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?
A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!
Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...
Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
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