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segunda-feira, outubro 30, 2006

A LÁGRIMA CRISTALINA. Charles Fonseca. Poesia

A LÁGRIMA CRISTALINA
Charles Fonseca

Chora meu peito de amante
A minh'alma sem sossego
Chora de ti o degredo
Em lágrima diamante

Que bóia triste e rola
Pela face, cristalina,
Saudade de ti, menina,
Neste meu verso que chora.

domingo, outubro 29, 2006

ENOJO. Fagundes Varela. Poesia

ENOJO
Fagundes Varela

Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.

Estende a névoa o manto e o val percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.

E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.

Porém minh'alma triste e sem um sonho
Murmura, olhando o prado, o rio, a espuma:
- Como isto é pobre, insípido, enfadonho!


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sexta-feira, outubro 27, 2006

Noite selvagem. Gilka Machado. Poesis

NOITE SELVAGEM
Gilka Machado

Entro na selva. A noite é espessa. De centenas
de pirilampos toda a mata se ilumina;
astros movem no espaço as rútilas antenas,
como insetos de luz, numa etérea campina.

Ergo ao céu, desço à terra a assombrada retina,
e ante as luzes astrais e ante as luzes terrenas,
a terra e o céu, o céu e a terra, julgo, apenas,
um céu que se distende, alonga e indetermina.

Em cima há tanta luz que o olhar erguido pasma!
Cada estrela parece um luminoso miasma
a medrar, a fulgir da treva na espessura.

e a noite tão negra e tão ampla, e tão densa,
é um pântano infinito, uma lagoa imensa,
a decompor-se em luz, a efervescer na altura.

terça-feira, outubro 24, 2006

VACA PROFANA. Caetano Veloso. Poesia

VACA PROFANA
Caetano Veloso

Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada
Escrevo assim minhas palavras na voz de uma mulher sagrada
Vaca profana põe teus cornos prá fora e acima da manada

Ê, dona de divinas tetas, derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas
Segue a "movida Madrileña", também te mata Barcelona
Napoli Pino, Pí, Pau, punks, picassos movem-se por Londres
Bahia onipresentemente, Rio e belíssimo horizonte

Ê, vaca de divinas tetas, la leche buena toda em mi garganta
La mala leche para los "puretas"
Quero que pinte amor Bethânia, Stevie Wonder, Andaluz
Mais do que tive em Tel Aviv, perto do mar, longe da cruz
Mas em composição cubista, meu mundo Thelonius Monk's blues

Ê, dona das divinas tetas, quero teu leite todo em minha alma
Nada de leite mau para os caretas
Sou tímido e espalhafatoso, torre traçada por Gaudi
São Paulo é como um mundo todo, no mundo um grande amor perdi
Caretas de Paris e New York, sem mágoas estamos aí

Ê, vaca das divinas tetas, teu bom só para o oco, minha falta
E o resto inunde as almas dos caretas
Mas eu também sei ser careta, de perto ninguém é normal
Às vezes segue em linha reta, a vida que é meu bem, meu mal
No mais, as "ramblas" do planeta, "Orchata de chufa, si us plau"

Ê, deusa de assombrosas tetas, gotas de leite bom na minha cara
Chuva do mesmo bom sobre os caretas, la mala leche para los "puretas"
Nada de leite mau para os caretas, e o leite mal na cara dos caretas
Chuva do mesmo bom sobre os caretas, e o resto inunde as almas dos caretas

sábado, outubro 21, 2006

Viagem. João de Aquino/Paulo César Pinheiro. Poesia

VIAGEM
João de Aquino / Paulo César Pinheiro

Oh! tristeza me desculpe
Estou de malas prontas
Hoje a poesia
Veio ao meu encontro
Já raiou o dia
Vamos viajar.
Vamos indo de carona
Na garupa leve
Do vento macio
Que vem caminhando
Desde muito longe
Lá do fim do mar.
Vamos visitar a estrela
Da manhã raiada
Que pensei perdida,
Pela madrugada
Mas que vai escondida
Querendo brincar.
Senta nessa nuvem clara,
Minha poesia,
Anda se prepara,
Traz uma cantiga
Vamos espalhando
Música no ar.

Olha quantas aves brancas,
Minha poesia
Dançam nossa valsa,
Pelo céu que o dia
Faz todo bordado
De raio de sol.
Oh! Poesia me ajude,
Vou colher avencas
Lírios, rosas, dálias
Pelos campos verdes
Que você batiza
De jardins do céu.

Mas pode ficar tranqüila,
Minha poesia,
Pois nós voltaremos
Numa estrela guia
Num clarão de lua
Quando serenar.
Ou talvez até quem sabe,
Nós só voltaremos
No cavalo baio
No alazão da noite
Cujo o nome é raio,
Raio de luar.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Cajuina. Caetano Veloso. Poesia

CAJUÍNA
Caetano Veloso

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina


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quarta-feira, outubro 18, 2006

ENVELHECER. Bastos Tigre. Poesia

ENVELHECER
Bastos Tigre

Entra pela velhice com cuidado,
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertem lembranças do passado,
Sonhos de glória, ilusões de amores.

Do que tiveres no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores
Mas lavra ainda e planta o teu eirado
Que outros virão colher quando te fores.

Não te seja a velhice enfermidade!
Alimenta no espírito a saúde!
Luta contra as tibiezas da vontade!

Que a neve caia! o teu ardor não mude!
Mantém-te jovem, pouco importa a idade!
Tem cada idade a sua juventude.


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segunda-feira, outubro 16, 2006

INCONSTÂNCIA DOS BENS DO MUNDO. Gregório de Matos. Poesia

INCONSTÂNCIA DOS BENS DO MUNDO
Gregório de Matos

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constancia,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.


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domingo, outubro 15, 2006

O CRAVO Charles Fonseca. Poesia

O CRAVO
Charles Fonseca

A rosa em entrevero
Comigo, suposto amado,
Feriu-me, bateu o martelo.
Sangrou-me o peito. Eis o cravo.

Do espinho, fez-me agravo.
Do amor, fez-me glosa.
É bela, não mais que rosa.
Já vou. Chamo-me cravo.

sexta-feira, outubro 13, 2006

AS CONCHAS. Verlaine. Poesia

AS CONCHAS
Verlaine

Cada concha, no interior
dessa gruta onde a gente se ama,
tem o seu especial sabor.

Uma, a púrpura tem da chama
roubada ao nosso coração,
quando o desejo nos inflama.

Finge esta a tua lassidão
se me vês, pálida e irritada,
a olhar-te cheio de intenção.

Nesta, a tua orelha é imitada
com graça; e aquela copiou
tua nuca rósea e torneada.

Uma, porém, me perturbou.

terça-feira, outubro 10, 2006

Gosto quando te calas. Pablo Neruda. Poesia

GOSTO QUANDO TE CALAS
Pablo Neruda

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longínquo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

domingo, outubro 08, 2006

A marcha. Cecília Meireles. Prosa

A MARCHA
Cecília Meireles

As ordens da madrugada romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo e alguma esmola do vento
quebraram as formas do sono com a idéia do movimento.
Vamos a passo e de longe; entre nós dois anda o mundo,
com alguns vivos pela tona, com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas, mais minha dúvida aumento.
Também não pretendo nada senão ir andando à toa,
como um número que se arma e em seguida se esboroa,
- e cair no mesmo poço de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma pedras, águas, pensamento.
Gosto da minha palavra pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga é tudo que tenho entre o sol e o vento:
meu vestido, minha música, meu sonho e meu alimento.
Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudades;
tenho visto muita coisa, menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos tristes, dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino já me dá contentamento.
Como tudo sempre acaba, oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida isento de tudo, isento...
Não há lágrima nem grito: apenas consentimento.

sábado, outubro 07, 2006

A TROTE. CharlesFonseca. Poesia

A TROTE
Charles Fonseca

Meu nome é solidão
Meu peito poço escavado
Triste, montado a cavalo,
Cavalgo um sonho vão.

Pra onde vou alazão
Monto, trotam seus pés,
Fujo da morte em viés
Salva minha vida ilusão.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Apóstrofe à carne. Augusto dos Anjos

APÓSTROFE À CARNE
Augusto dos Anjos

Quando eu pego nas carnes do meu rosto.
Pressinto o fim da orgânica batalha:
- Olhos que o húmus necrófago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...

E o Homem - negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama psíquica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,

Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

terça-feira, outubro 03, 2006

No teu aniversário, meu filho.

MEU FILHO
Charles Fonseca

Que Deus me dê longa vida
Para ver-te brilhar mais
Que auroras boreais,
Tropicais sejam vividas.

domingo, outubro 01, 2006

Impressionista. Adélia Prado. Poesia

IMPRESSIONISTA
Adélia Prado

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Berço e túmulo. Casimiro de Abre. Poesia

BERÇO E TÚMULO
Casimiro de Abreu

Trago-te flores no meu canto amigo
-Pobre grinalda com prazer tecida -
E - todo amores - deposito um beijo
Na fronte pura em que desponta a vida.

É cedo ainda! - quando moça fores
E percorreres deste livro os cantos,
Talvez que eu durma solitário e mudo
-Lírio pendido a que ninguém deu prantos! -

Então, meu anjo, compassiva e meiga
Depõe-me um goivo sobre a cruz singela,
E nesse ramo que o sepulcro implora
Paga-me as rosas desta infância bela!